lunes, 27 de agosto de 2012

Um sistema falhado. A crise mundial da globalização capitalista e o seu impacto na China - John Bellamy Foster [*]





 Ao referir-me no meu título a "um sistema falhado", não quero, obviamente, dizer que o capitalismo como sistema esteja, sob qualquer ponto de vista, no seu fim. Ao invés, por "sistema falhado" quero dizer uma ordem económica e social global que exibe crescentemente uma contradição fatal entre a realidade e a razão – a um tal ponto que, no nosso tempo, ameaça não apenas o bem-estar humano, mas também a continuação das formas mais sensíveis de vida no planeta. Três contradições críticas compõem a crise capitalista contemporânea, emanando do desenvolvimento capitalista: (1) a actual grande crise financeira e a estagnação/depressão; (2) a crescente ameaça de um colapso ecológico planetário; e (3) a emergência de uma instabilidade imperial global associada à mudança da hegemonia mundial e à luta pelos recursos. Essas debilidades estruturais do sistema, como poderia ter dito Joseph Schumpeter, são o produto dos sucessos passados do capitalismo, mas colocam, no entanto, problemas catastróficos e falhanços no presente [1] . Como escolhemos agir no presente em resposta a este sistema falhado é, portanto, a questão mais crítica que a humanidade alguma vez enfrentou.
A grande crise financeira e a estagnação/depressão

A economia mundial centrada nos Estados capitalistas avançados está a passar pela sua pior crise económica desde a Grande Depressão. Uma grande crise financeira, numa escala que não se via nos Estados Unidos e nos outros Estados capitalistas avançados desde os anos 1930, está a provocar um grande declínio do crescimento económico mundial e aponta para uma possível depressão mundial [2] . A presente situação é de tal modo severa que mesmo o presidente George W. Bush, em declarações num encontro de governadores de bancos centrais e ministros das finanças em Novembro de 2008, afirmou que a ameaça, se não fosse levada a cabo uma decisiva acção governamental, poderia ser uma "depressão maior que a Grande Depressão" [3] .

Uma forma de compreender a dimensão da crise financeira e económica mundial está nos termos do que foi designado por The Return of Depression Economics [O regresso da economia da Depressão]. Esse foi o título de um livro que Paul Krugman, o mais recente laureado com o Prémio Nobel da Economia, escreveu no seguimento da crise asiática de 1997-98. Esse livro voltou agora a ser publicado numa nova edição intitulada The Return of Depression Economics and the Crisis of 2008 [O regresso da economia da Depressão e a crise de 2008] [4] . O que Krugman quer mostrar com esta frase é, evidentemente, o regresso da economia da Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de John Maynard Keynes, livro publicado em 1936 no meio da Grande Depressão. Toda a gente concordará que Keynes e a sua "economia da Depressão" estão, em certo sentido, de volta. Mas, que Keynes? E se o levarmos a sério como crítico do capitalismo (embora limitado), não será necessário ir mais atrás ao maior crítico de todos: Karl Marx?

Na Teoria Geral, Keynes, como é sobejamente conhecido, sublinhou aquilo a que chamou os "defeitos fundamentais" da economia capitalista: a sua enorme divisão desigual do rendimento e a sua incapacidade de manter um equilíbrio com pleno emprego [5] . Esses defeitos fundamentais produzem instabilidade no processo de investimento do capitalismo, o mecanismo da acumulação. O capitalismo, de acordo com Keynes, é um sistema caracterizado pela incerteza. O investimento perde o seu dinamismo quando os lucros esperados de novos investimentos se deprimem, principalmente devido aos constrangimentos da procura presente e antecipada. À medida que as saídas de investimento se extinguem, o capital vira-se para a especulação, gerando bolhas de activos que produzem instabilidade financeira e a perspectiva de crises mais sérias no futuro.

A principal doutrina que Keynes desafiou foi a Lei de Say, que indicava que a oferta cria a sua própria procura. A economia ortodoxa, argumentou, nunca se libertara desse erro e assumia implicitamente nas suas análises básicas que "o sistema económico operava sempre na sua capacidade plena". Isso significava que a visão ortodoxa era "incapaz de confrontar os problemas do desemprego e do ciclo de negócios" [6] . A tendência dominante no capitalismo moderno, acreditava Keynes, era o desvio para o equilíbrio com o desemprego e a capacidade excessiva substancial. Keynes, que era um defensor do sistema mas advogava políticas que iam além do que a própria classe capitalista estaria disposta a aceitar, propôs soluções para esses problemas: a "eutanásia do rentista", uma redução substancial da parte do rendimento do capital e "uma determinada socialização abrangente do investimento" [7] . Também destacou a necessidade de reforço da despesa pública civil para preencher o fosso na procura efectiva e mover a economia para um equilíbrio com pleno emprego. E defendia controlos limitados para os movimentos internacionais de capital.

Ao referir-se às suas análises como "a teoria geral", Keynes distinguia-a da teoria neoclássica ortodoxa, à qual se referia como uma "ocorrência especial", cujas características "acontece que não são as da sociedade económica na qual vivo", e que, por conseguinte, conduziram a resultados ilusórios e desastrosos" [8] .

A realidade da Grande Depressão convenceu muitos economistas e observadores no final dos anos 1930 de que Keynes estava certo e deu origem às referências generalizadas à "revolução keynesiana". As propostas de Keynes relacionadas com o estímulo à procura efectiva através da despesa pública civil não foram, porém, directamente aplicadas nos anos 1930 e foi a Segunda Guerra Mundial que fez sair os Estados Unidos e outras economias do capitalismo avançado da Grande Depressão. Depois da guerra, a análise de Keynes foi depreciada por figuras como Paul Samuelson, do MIT [Massachusetts Institute of Technology], o que gerou a por vezes chamada "síntese neoclássica-keynesia na", ou mais frequentemente a "síntese neoclássica". Num fenómeno que a jovem colega de Keynes, Joan Robinson, apelidou de "keynesianismo bastardo", as perspectivas mais revolucionárias de Keynes foram todas excluídas e as suas análises foram reincorporadas com a teoria neoclássica de numa forma subordinada [9] . Os economistas mainstream chegaram à conclusão de que a economia capitalista poderia ser efectivamente gerida através do acerto na política monetária e fiscal, com destaque para a primeira. Isto porque se assumia de novo implicitamente que a economia agiria de acordo com a Lei de Say, movendo-se naturalmente para um equilíbrio com pleno emprego, então redefinido como uma "taxa natural de desemprego". A globalização neoliberal, a desregulação, a remoção de todas as restrições ao movimento do capital, a criação de novas arquitecturas financeiras sofisticadas, foram fenómenos vistos como constituindo a essência de toda a lógica económica à escala mundial.

Assim, na década de 1970 (e ainda mais após a crise de estagfação dessa década), Keynes foi relegado para uma "teoria da ocorrência especial da economia da depressão", aplicável apenas quando a política monetária não pudesse mais ser eficientemente utilizada para fazer disparar a economia [10] . Mas uma tal condição não poderia mais ser vista como relevante, na medida em que o problema da depressão e até do ciclo de negócios havia sido, no essencial, resolvida, como declarou o economista da Universidade de Chicago Robert Lucas no seu discurso presidencial à Associação Económica Americana. Este ponto de vista foi rejeitado em 2004 por Ben Bernanke, então governador, e hoje presidente, da Reserva Federal. Para Bernanke, a Grande Depressão deixara de ter interesse teórico; pelo contrário, o problema a resolver seria a "Grande Moderação", isto é, a volatilidade reduzida da economia capitalista nos anos 1980 e 1990. O que precisava de investigação, segundo Bernanke, eram as razões para o fim efectivo do ciclo de negócios, que ele atribuía à política monetária mais sofisticada, emergindo inicialmente das ideias do monetarismo de Milton Friedman [11] .

Hoje, figuras como Krugman parecem desafiar parcialmente essas conclusões e constituir-se como os representantes do regresso da economia keynesiana. Mas isso não configura um regresso de Keynes no sentido da sua crítica teórica geral dos defeitos fundamentais do capitalismo. Pelo contrário, é um retorno ao keynesianismo como "ocorrência especial" da "economia da depressão", em que a política monetária é ineficiente e a política fiscal expansiva precisa de ter prioridade [12] . A ascendência da economia neoclássica, que aviltou e subordinou a visão moderadamente crítica do capitalismo de Keynes, não se alterou. Nem o capitalismo é questionado. É, antes, assumido que foram cometidos erros na política monetária e nos sistemas de regulação que pressionaram a economia de volta à "ocorrência especial" da "economia da depressão" de Keynes.

Nesse sentido, aquilo a que Keynes chamava os "defeitos fundamentais" da economia capitalista dificilmente são objecto de análise. Keynes é apresentado pelo seu mais conhecido (e reaccionário) biógrafo como o grande "remedista", e pouco mais [13] . A ênfase política que daí resulta centra-se no estímulo fiscal, numa moderada redistribuição do rendimento, em renovadas regulações financeiras e em reformas internacionais dos mercados financeiros. A crise é tratada como uma espécie de choque externo (ou, como refere Krugman, o alastramento de um vírus desconhecido) [14] . A severidade do ciclo descendente sugeriria que as tendências de longo prazo (mais do que os factores do ciclo de negócios normal) fossem tidas em conta. No entanto, o facto de o capitalismo ser um sistema histórico inerentemente contraditório, que gera uma irracionalidade crescente na sua fase tardia, está fora da abordagem da economia mainstream, mesmo entre os seus teóricos supostamente de centro-esquerda, como Krugman e Joseph Stiglitz.

Parte do problema está no facto de que, não obstante o pensamento de Keynes ter sido demasiado radical para o sistema que tentava defender, ao mesmo tempo, não era suficientemente radical. Ele não explicou plenamente as contradições essenciais do capitalismo. Para uma verdadeira teoria geral da acumulação e crise sob o capitalismo, Marx e a economia política marxiana continuam a ser essenciais. Para Marx, a essência do capitalismo assenta, nos termos da sua famosa fórmula, na relação D-M-D'. O capitalismo é um sistema em que o capital-dinheiro (D) é trocado por mercadorias (M) que são transformadas em novas mercadorias através da produção, então vendidas de novo por mais dinheiro (D') (ou, D + D, ou seja, mais-valia). A natureza deste processo é de tal forma que o torna infinito. O D' é então reinvestido no período produtivo seguinte, com o objectivo de obter D'' no final, e assim por diante, ad infinitum [15] . Qualquer interrupção na acumulação infinita de capital aponta, nesse sentido, para uma crise. Além disso, a própria existência de um sistema organizado desta forma tornou possível que uma crise ocorresse através de uma redução da procura efectiva. Para Marx, não havia qualquer dúvida acerca da raiz das crises económicas capitalistas. "A razão última para todas as crises reais é sempre a pobreza e o consumo restrito das massas, como opostos do impulso da produção capitalista para desenvolver as forças produtivas, como se apenas o poder absoluto de consumo da sociedade constituísse o seu limite." [16]

A respeito da expansão financeira e da crise, Marx escreveu no volume 3 de O Capital que toda a "esfera da produção deve estar saturada de capital", tendo como resultado que os lucros entram crescentemente na esfera da especulação. Como ele escreveu,
Se […] a nova acumulação encontra dificuldades no seu emprego, em função de uma carência de esferas de investimento, ou seja, devido a uma mais-valia nos ramos de produção e a uma super-oferta de capital de crédito, a pletora de capital-dinheiro emprestável mostra, simplesmente, as limitações da produção capitalista. A subsequente fraude do crédito prova que não há verdadeiro obstáculo que se oponha à forma de emprego desse capital excedente. Contudo, um obstáculo está, efectivamente, imanente nas suas leis de expansão, isto é, nos limites em que o capital pode realizar-se como capital. [17]
A "fraude do crédito" que surge com a passagem para o capital-dinheiro (representada por Marx como D para D''), como a base da acumulação de riqueza, precede inevitavelmente uma bancarrota. "Os negócios surgem sempre excessivamente saudáveis na véspera de um crash ." Para Marx, nada era mais natural que uma crise de liquidez num abrandamento económico, onde o capital tem uma fome insaciável de dinheiro. Parafraseando o Salmo 42, ele escreveu que o capitalista deseja e junta dinheiro de todas as formas: "Tal como o cervo anseia por água fresca, também anseia a sua alma por dinheiro, a única riqueza" [18] .

No entanto, se Marx constitui o ponto de partida para uma teoria geral do capitalismo e das crises, a sua análise não abarca muitos dos problemas específicos dos dias de hoje, dada a evolução histórica do sistema desde o seu tempo. Para os marxistas, começando por Hilferding, Lenine e Rosa Luxemburgo, a evolução histórica do sistema no início do século XX era compreendida essencialmente em termos do desenvolvimento de uma nova fase do capitalismo, frequentemente referida como o capitalismo monopolista. Isso reflectia o facto de que as mudanças mais significativas na estrutura do capitalismo no século XX resultavam daquilo a que Marx chamava a concentração e a centralização da produção, redundando na emergência da empresa gigante e do moderno sistema de crédito.

A tentativa mais ambiciosa e sustentada de desenvolver uma análise de como a acumulação de capital se alterava na economia da empresa gigante foi desenvolvida por Michael Kalecki, Josef Steindl, Paul Baran, Paul Sweezy e Harry Magdoff. Kalecki foi um marxista polaco que também desempenhou um papel de destaque na revolução keynesiana, tendo introduzido a maioria das inovações fundamentais associadas a teoria geral de Keynes antes do próprio Keynes. Steindl foi um economista australiano que trabalhou com Kalecki no Instituto de Estatística de Oxford durante a Segunda Guerra Mundial
[19] . O seu trabalho foi alargado a uma análise do papel do Estado e popularizado na obra de Paul Baran e Paul Sweezy Monopoly Capital: An Essay on the American Economic Order [Capital monopolista: um ensaio sobre a ordem económica americana] (1966) [20] . Essa perspectiva teórica foi mais tarde aplicada à economia mundial e à estagnação ascendente nas décadas de 1970, 1980 e 1990, numa série de trabalhos de Sweezy e Magdoff. Esses pensadores sustentaram que a economia capitalista não tende naturalmente para o crescimento rápido [21] . Pelo contrário, era necessário que surgissem, durante um determinado período de tempo, "factores de desenvolvimento" histórico específico para o crescimento forte [22] . Esse era particularmente o caso de um sistema dominado pelo capital monopolista, em que a formação monopolista dos preços e os lucros estivessem associados a certas restrições à acumulação. O principal problema da acumulação para as empresas monopolistas era encontrar canais de investimento suficientes para a mais-valia enorme e crescente que tinham à sua disposição. À falta de novos factores históricos que aumentassem os canais de investimento e absorvessem o capital excedente, o sistema de acumulação tendeu a entrar em crepitação. Portanto, "o estado normal da economia capitalista monopolista" , como sustentaram Baran e Sweezy, é a "estagnação" [23] .

Nas décadas imediatamente subsequentes à Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, bem como as restantes economias capitalistas avançadas, experimentaram um período de prosperidade, mais tarde descrito como a "Era Dourada". Esse fenómeno teve como base o estímulo de factores históricos especiais, como (1) o elevado nível de liquidez de consumo logo após a guerra; (2) a reconstrução das economias da Europa e do Japão, devastadas pela guerra; (3) uma segunda grande vaga de automobilização (que incluiu um impulso das indústrias da borracha, do aço e do vidro, a construção do sistema interestadual de auto-estradas e a suburbanização do país); (4) o crescimento do esforço de vendas na forma da expansão da publicidade e de outras formas de gasto relacionado com as vendas; e (5) os gastos militares elevados associados a duas guerras regionais na Ásia. Mas nos anos 1970, esses factores de equilíbrio da tendência para a estagnação estavam todos em declínio. O resultado foi um abrandamento rápido da economia. O investimento bruto nos Estados Unidos reduziu-se, com o que se mantinha a ser grandemente alimentado fora dos fundos de depreciação das empresas. Nessa situação, era necessário um novo canal para o excedente (lucros) das empresas.

Ele surgiu nos anos 1970, e mais ainda nos anos 1980 e 1990, sobretudo através do desenvolvimento do sistema financeiro, numa escala e com uma duração sem precedentes históricos. O capital, sem canais de investimento, fluiu cada vez mais para a especulação financeira, ao mesmo tempo que a assim chamada indústria dos serviços financeiros teve a capacidade de surgir com mais e mais novos instrumentos para absorver esse capital. Hyman, um economista de orientação socialista inspirado por Keynes e influenciado por Kalecki e Hansen, observando estes novos desenvolvimentos, formulou a sua célebre tese de que a instabilidade financeira é uma "parte inescapável" do capitalismo desenvolvido. A análise de Minsky baseava-se na noção de Keynes de que havia um defeito no processo de acumulação do capitalismo associado às bolhas especulativas nos aumentos dos preços dos activos no topo de uma "economia real" preguiçosa
[24] . Para Keynes e Minsky, porém, isso era entendido como um fenómeno que ocorria sobretudo no pico de um boom.

Contrastando com essa visão, Magdoff e Sweezy defenderam, logo no início dos anos 1970, que havia um "declínio de longo prazo na liquidez", resultante do putativo "”sucesso” no controlo do ciclo de negócios". O resultado foi que a economia norte-americana foi confrontada com o problema crescente de uma grande "extorsão de dívida", exigindo que os valores reais e na forma de títulos fossem reconciliados algures no futuro. Quanto mais essa dívida inchava sem uma grande contracção, maior se tornava o problema
[25] . Incrivelmente, este processo de expansão financeira continuou durante décadas, somente com ajustamentos de crédito relativamente menores, ou "contracções de crédito", até à grande crise financeira de 2007-09.

Magdoff e Sweezy rotularam esta contradição de longo prazo com o título de um dos seus livros, Stagnation and the Financial Explosion [A estagnação e a explosão financeira], sustentando que houve uma espécie de "abraço simbiótico" entre ambos
[26] . No fundo, esse processo de explosão financeira de longo prazo deveria ser caracterizado como a "financeirização" da economia capitalista e o capital monopolista deveria ser visto como transformado em "capital monopolista- financeiro" . A economia tornou-se cada vez mais dependente da inflação de uma bolha financeira após outra. A dívida total em relação ao PIB na economia norte-americana cresceu de 151 por cento em 1959 para 373 por cento em 2007, com a qualidade da dívida a decrescer à medida que a sua quantidade crescia. Mas a economia real mostrou uma tolerância viciante crescente – a necessidade de mais para obter mesmo um efeito decrescente – à expansão da dívida. Nos anos 1970, o crescimento do PIB norte-americano era de cerca de 60 cêntimos por cada dólar de nova dívida; no início dos anos 2000, esse valor havia decrescido para cerca de 20 cêntimos por cada dólar de nova dívida [27] .

Um elemento crítico no desenvolvimento dos Estados Unidos como centro do que veio a ser uma financeirização mundial do capitalismo foi o papel do dólar como moeda hegemónica no mundo, permitindo que a economia norte-americana imprimisse dólares essencialmente conforme precisava e obtivesse crédito do resto do mundo a uma escala sem precedentes. Isso transformou a economia norte-americana no consumidor de último recurso e no centro da construção da dívida para a economia mundial como um todo. O vasto e crescente défice da balança de pagamentos dos Estados Unidos significou que os Estados Unidos tiveram que impor (ou "atrair") centenas de milhares de milhões de dólares por ano em investimentos em activos financeiros – e cada vez mais fictícios – nos seus parceiros comerciais. O processo está a chegar ao fim com a extensão previamente inimaginável da nova dívida que deve ser emitida pelo governo norte-americano no próximo ano, logo que todas as bolhas prévias sejam integradas numa "bolha do Tesouro".

Jim Reid, um analista perspicaz do Deutsche Bank, escreveu em meados de Dezembro de 2008 que "se 2009 correr horrivelmente mal, será provavelmente porque houve uma corrida às moedas fortes ou um mercado de acções governamental" e sugeriu que "o Reino Unido continua a ser o fruto dos mercados desenvolvidos suspensos mais fracos". Dado o papel enfraquecido da libra, uma tal perspectiva pode continuar a ser imaginada como um evento económico normal. Ainda assim, embora o dólar norte-americano esteja sujeito a constrangimentos idênticos, ou mesmo a uma escala maior, o seu papel de meio de pagamento global e moeda de reserva faz com que uma corrida ao dólar não possa ser imaginada como um evento económico normal, mas apenas como um mar de mudanças na economia política global
[28] .

Em 1997, Paul Sweezy escreveu que a globalização foi uma tendência de longo prazo do capitalismo, identificável desde as suas origens nos séculos XV e XVI. Essa tendência globalizante teve enormes efeitos em determinados períodos, por exemplo a emergência da China como uma grande força na economia mundial. Sustentou, no entanto, que o fenómeno dominante que dirigiu a acumulação mundial no final do século XX foi composto pelo trio de "(1) o abrandamento da taxa de crescimento total, (2) a proliferação mundial das empresas multinacionais monopolistas (ou oligopolistas) e (3) o que pode ser designado por financeirização do processo de acumulação de capital"
[29] . Foi claramente a financeirização que constituiu o desenvolvimento mais surpreendente e instável. Se o processo de financeirização se revertesse, ou mesmo se abrandasse, o resultado seria uma profunda estagnação, sugeriu Sweezy. Não se podia prever quando tal sucederia. Magdoff e Sweezy defenderam que a financeirização poderia continuar por mais algum tempo. No entanto, em determinado ponto, a montanha cada vez maior de dívida cresceria para lá da capacidade dos governos capitalistas intervirem com eficácia como emprestadores de último recurso e uma avalanche financeira redundaria numa crise sem precedentes. Essa grande crise do capitalismo, de dimensões históricas, ao resultar de condições também sem precedentes, colocaria em cima da mesa não só o "regresso da economia da depressão", tal como era entendida, de uma forma muito limitada, pelos economistas ortodoxos, mas representaria o colapso de todo o regime de acumulação financeirizado, com repercussões duradouras no mundo real. O resultado de longo prazo mais provável seria um profundo abrandamento na taxa tendencial de crescimento.

Com a grande crise financeira de 2007-09 e o advento do abrandamento económico mais sério desde a Grande Depressão, essas expectativas baseadas numa compreensão do desenvolvimento histórico do sistema tornaram-se reais. Em termos das condições com que se confrontam as populações trabalhadoras à volta do mundo, como consequência deste abrandamento sem precedentes (comparável apenas com os anos 1930), o pior está claramente por vir.

Já hoje, as economias emergentes, onde a crise pode tornar-se mais violenta, têm os seus mercados de exportação a secar. Para a China, com as exportações entre 2001 e 2006 a ultrapassarem os 30 por cento do PIB e as exportações brutas perto dos 4 por cento do PIB, o encolhimento dos mercados nos Estados Unidos, na Europa e no Japão constitui uma séria ameaça. Actualmente, a China está a passar pela desaceleração no crescimento económico mais aguda dos últimos 30 anos. As exportações chinesas declinaram, as vendas próprias caíram a pique e o emprego está em redução nas cidades. Os preços das casas estão a descer nas grandes áreas urbanas e verifica-se um declínio drástico no investimento imobiliário, o que representa uma crise financeira muito maior. Milhões de pessoas da "população flutuante" de trabalhadores migrantes da China, que alimentaram a industrialização, estão desempregados e a regressar às zonas rurais. Teme-se que a queda aguda no crescimento económico e os sinais difusos de deflação na China puxem o crescimento económico mundial para muito perto do zero
[30] . Da mesma forma, não negligenciável, que a explosão financeira global gerada nos Estados Unidos contribuiu para o crescimento na economia real chinesa, a implosão financeira global gerada nos Estados Unidos deverá contribuir para a sua contracção. As crises económicas são endémicas no capitalismo, mas o nível de desastre económico que afecta o sistema, como o mostram as condições nos Estados Unidos, por um lado, e na China, por outro, não tem precedentes no período pós-Segunda Guerra Mundial e o seu fim não está ainda no horizonte.

A crescente ameaça do colapso ecológico planetário

Ao caracterizar o capitalismo como um sistema falido, concentrei-me no aprofundamento da crise económica. Mas esse não é o pior dos problemas do mundo. O grande perigo é a crescente ameaça do colapso ecológico planetário. Neste aspecto, o perigo é muito maior que no caso da economia mundial, mas o sentido de alarme e da necessidade de uma acção imediata e em massa é menos generalizado. Como referiu a fundação sueca Tälberg no seu relatório de 2008 Compreendendo a crise climática: uma provocação,

O mundo [no presente] enfrenta uma falência do sistema financeiro global. As consequências são surpreendentes, com uma onda de efeitos, e são os pobres que mais sofrem. O medo cresce. Poderíamos ter esperado algo do mesmo nível de ansiedade em relação à falência de grandes áreas do sistema da Terra – desflorestação acelerada, sobrepesca, escassez de água doce e o desaparecimento do mar gelado do Árctico. Os estudos sobre essas matérias e processos são abundantes, mas o nível de preocupação continua conspicuamente baixo. [31]
A ameaça ecológica mais séria é, evidentemente, o aquecimento global [NR 1] , que provoca alterações climáticas generalizadas e multifacetadas, com implicações desastrosas para a vida na Terra. Mas, num plano mais geral, a crise ambiental global envolve múltiplos problemas e não pode ser reduzida ao aquecimento global. Esses diversos problemas têm uma fonte comum na economia mundial e incluem: extinção de espécies, perda de floresta tropical (bem como de ecossistemas de floresta em geral), contaminação e destruição da ecologia oceânica, perda de recifes coralinos, sobrepesca, reservas cada vez menores de fontes de água doce, espoliação de lagos e rios, desertificação, lixos tóxicos, poluição, chuva ácida, proximidade da extinção de fontes facilmente disponíveis de petróleo, congestionamento urbano, efeitos perniciosos das grandes barragens, fome mundial, sobrepopulação, etc. Em conjunto, essas ameaças constituem o maior desafio à sobrevivência da humanidade desde a sua pré-história.

A ameaça do aquecimento global está a crescer rapidamente. O derretimento do mar gelado do Árctico
[NR 2] , que alguns cientistas acreditam que pode estar sem gelo durante o Verão em menos de uma década, faz prever uma "redução de albedo", uma drástica redução na reflectividade da radiação solar e uma aceleração das alterações climáticas. Entretanto, o derretimento dos mantos de gelo na Antárctida Ocidental e na Gronelândia [NR 3] aponta para um "ponto de viragem" irreversível dentro de uma década, o que faz pressagiar uma elevação dos níveis do mar que, previsivelmente, engolirá grandes centros populacionais em zonas baixas. A combinação de pontos de viragem ambientais momentâneos e de mecanismos de feedback positivo que aceleram as alterações climáticas convenceram um número crescente de climatologistas de que alterações climáticas irreversíveis e catastróficas são inevitáveis se nenhuma acção for tomada na próxima década para reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa [32] . A atmosfera está a atingir o tecto de CO 2 e de outros gases com efeito de estufa que produzirá o aumento de 2°C [NR 4] nas temperaturas médias globais que o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas queria evitar. Além disso, o mundo está dominado pelo business as usual, o que pode muito bem levar a aumentos na temperatura média global de duas ou três vezes essa magnitude, fazendo prever um Inferno para a vida no planeta [33] .

Efectivamente, novos dados científicos sugerem que um aumento de 2°C seria já desastroso, quer em termos de elevação dos níveis da água do mar quer de manifestação de uma séria de mecanismos de feedback auto-reprodutores que podem acelerar as alterações climáticas em todo o sistema terrestre. Isso significa que permitir uma estabilização de concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera em 550 partes por milhão (ppm), como propôs o Relatório Stern – caracterizada pela maioria dos economistas mainstream como uma resposta "radical" para controlar as emissões de carbono –, ou mesmo um desenvolvimento de carbono nas 450 ppm (consistentes com um tecto de 2°C no crescimento da temperatura média global), não são vistos por muitos cientistas prestigiados como contendo o risco de alterações catastróficas.

James Hansen, director do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, bem como outros climatologistas, referem hoje que o objectivo deve ser colocar o carbono atmosférico abaixo das 387 ppm actuais, em cerca de 350 ppm. Isso significa que as emissões brutas de CO 2 devem "aproximar-se do zero". Também são necessárias grandes alterações na utilização da energia e da terra, o que implica uma reorganização social maciça. De acordo com Hansen e os seus colegas, "se a actual ultrapassagem deste limite [350 ppm] não for breve, há a possibilidade de generalização de efeitos catastróficos irreversíveis" . Efectivamente, "o crescimento contínuo das emissões de gases com efeito de estufa, durante mais de uma década, praticamente elimina a possibilidade de um retorno de curto prazo na composição atmosférica para baixo do ponto de viragem que provocará efeitos catastróficos" . O mundo enfrenta hoje a perspectiva de sair do clima ameno e protector do Holoceno que definiu as condições ambientais para toda a duração da civilização humana.

Estes novos avisos terríveis que são feitos por destacados climatologistas são baseados na fraqueza da maioria dos antigos modelos climáticos computorizados, que não tinham plenamente em conta os processos de feedback climático "lentos", como a "desintegração dos mantos de gelo, a migração de vegetação e a libertação de gases com efeito de estufa dos solos, da tundra e dos sedimentos oceânicos". Assim, é hoje reconhecido que as alterações climáticas podem evoluir para um nível incontrolável em níveis mais baixos de acumulação de gases com efeito de estufa na atmosfera que o que se supunha previamente. Ao chegarem a tais conclusões, Hansen e os seus colegas "não se basearam em modelos climáticos, mas antes […] em evidências empíricas do passado e das alterações climáticas em curso", recorrendo a dados paleoclimáticos
[34] .

Enquanto os cientistas nos dizem que o tempo ecológico está a fugir, se quisermos evitar efeitos globais catastróficos, os economistas mainstream que tratam a questão climática clamam que ainda temos muito espaço de manobra. William Nordhaus, o principal analista económico ortodoxo do aquecimento global nos Estados Unidos, defende uma "rampa de políticas climáticas", em que reduções modestas nas emissões de gases com efeito de estufa no curto prazo serão seguidas de reduções mais ambiciosas no longo prazo.

Apesar disso, Nordhaus prevê que, em condições "óptimas", a concentração de CO 2 atmosférico aumentará para cerca de 480 ppm em 2050, 586 ppm em 2100, atingindo o pico nas 700 ppm em 2175. Na verdade, Nordhaus e outros economistas ortodoxos afirmam que os riscos para o mundo de uma temperatura média de 5°C ou mais acima dos tempos pré-industriais, com as concentrações de CO 2 atmosférico que tal induziria, podem ser compensados pelos investimentos noutras áreas da economia promotoras do bem-estar. Mas, na realidade, como isso é oposto à economia burguesa, desafia todos os pressupostos científico-ecoló gicos, ameaçando com uma catástrofe absoluta para a civilização humana e para o planeta como o conhecemos
[35] .

De facto, há apenas uma forma de compreender o facto de os economistas ortodoxos se constituírem como os oponentes ideológicos mais importantes de reduções agressivas nas emissões de gases com efeito de estufa, mesmo sob o risco de um Inferno planetário – o seu papel essencial de defensores ideológicos do sistema capitalista e de promotores do seu impulso para o lucro e a acumulação a qualquer custo. Nada mostra tão claramente o que John Kenneth Galbraith caracterizou (através do título do seu último livro) como a economia da fraude inocente [ The Economics of Innocent Fraud ]. James Gustave Speth, antigo líder do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, escreveu: "O capitalismo, tal como o conhecemos hoje, é incapaz de sustentar o ambiente"
[36] . Procurar respostas na economia mainstream é, por conseguinte, um sério, talvez fatal, erro de política corrente.

Os principais defeitos ecológicos do sistema capitalista têm sido enfatizados, sobretudo, por pensadores críticos de economia política vindos ou profundamente influenciados pela tradição marxista. Nos Estados Unidos, a sociologia ambiental tem sido profundamente marcada por dois conceitos críticos que vêm de Marx: a "rotina da produção" e a "ruptura metabólica". A rotina da produção é movida acima de tudo para o crescimento exponencial, como sugere a fórmula de Marx D-M-D'. O nível de actividade económica em cada período começa com o ponto final do período prévio, conduzindo à duplicação do produto económico em, digamos, um quarto de século a 3 por cento de taxa de crescimento anual – um processo que é interrompido, mas não superado, pelas fases descendentes do ciclo de negócios. A força propulsora dessa expansão é a acumulação de capital e a procura sempre expansiva de lucros. O país que experimentou a taxa de crescimento mais rápida durante um determinado período de tempo é, obviamente, a China, onde a economia, de acordo com a fantástica (e, de algum modo, suspeita) observação do Bloomberg.com, "cresceu 69 pontos" desde 1978
[37] . Mas o crescimento exponencial, ainda que a níveis mais baixos que os da China, é característica do capitalismo em geral, mesmo onde a economia passa por um crescimento lento ou uma estagnação, e definiu as economias capitalistas desenvolvidas nas últimas décadas. Marx sustentou que,
Sob o capitalismo, vemos como […] o modo de produção e os meios de produção são continuamente transformados, revolucionados, como a divisão do trabalho é necessariamente seguida por uma maior divisão do trabalho, a aplicação de maquinaria por uma ainda maior aplicação de maquinaria, trabalho em larga escala por trabalho numa escala ainda maior.

É essa a lei que, uma e outra vez, atira a produção burguesa para fora do seu curso anterior e que compele o capital a intensificar as forças produtivas do trabalho, porque as intensificou, ela, a lei que não dá descanso ao capital e continuamente sussurra ao seu ouvido: "Continua! Continua!"

Para Marx, também os trabalhadores estavam amarrados à rotina da produção, assim as suas condições fossem tornadas toleráveis por curtos períodos apenas pelo crescimento económico rápido – mesmo que isto reduzisse a sua condição relativa no interior do sistema e, por conseguinte, os tornasse ainda mais dependentes dos seus chefes capitalistas [38] .

De um ponto de vista ecológico, evidentemente, este sistema de crescimento a qualquer custo, sinónimo de capitalismo, coloca a economia mundial em conflito directo com a sustentabilidade ambiental. O crescimento rápido da China nas últimas décadas também provocou taxas recordes de degradação ambiental. A China está agora próxima dos Estados Unidos nas emissões anuais de dióxido de carbono, apesar de muito abaixo nas emissões per capita. No entanto, não obstante a seriedade desta contradição entre a economia capitalista e o planeta, os economistas dominantes argumentam geralmente contra qualquer tentativa de monta de prevenir as alterações climáticas, ou seja, de salvar a natureza. Ao mesmo tempo, não hesitam em defender que biliões de dólares sejam gastos a salvar bancos. O principal conselheiro económico do presidente Obama, Larry Summers, é conhecido pelas suas diatribes anti-ambientais. Ele afirmou, em mais do que uma ocasião, que faz tanto sentido económico em termos de bem-estar no futuro gastar em vários factores não-ambientais – por exemplo, reconstruir infra-estruturas (estradas, pontes, etc.) – como procurar preservar o ambiente (por exemplo, as florestas tropicais). Ao abordar o problema do aquecimento global, Summers afirmou ingenuamente em 1992 que no quadro das "estimativas mais pessimistas já preparadas […] o aquecimento global reduz o crescimento nos próximos dois séculos menos de 0,1 por cento ao ano"
[39] . No entanto, sob as estimativas mais pessimistas dos climatologistas nesse tempo – que agora se provam acertadas –, o aquecimento global no contexto do business as usual ameaçava a vida no planeta e a própria civilização humana. De facto, nada é mais perturbador que a noção de Summers e de outros economistas ortodoxos de que o planeta tal como o conhecemos possa ser destruído, ao mesmo tempo que a economia capitalista continua como antes.

Ironicamente, o actual abrandamento da economia capitalista pode ajudar temporariamente a constatar alguns dos fardos crescentes colocados sobre a biosfera através da redução da taxa de crescimento do consumo total de energia e de matérias. Porém, a resposta habitual à crise económica em capitalismo é a remoção das protecções previamente aplicadas aos trabalhadores e ao ambiente. Nesse sentido, é provável que o declínio económico resulte em formas mais intensivas de exploração ecológica.

A escala crescente da economia capitalista e o peso que impõe a uma biosfera limitada não são tudo. Mais importante ainda, em última análise, é a integridade dos ecossistemas e os processos biogeoquímicos do sistema da Terra. Neste aspecto, a teoria de Marx da ruptura metabólica ajuda-nos a compreender a destruição intensiva, e não meramente extensiva, do ambiente que o capitalismo promove. A perspectiva de Marx incluiu um elemento ecológico desde o início. Nos seus Manuscritos Económico-Filosó ficos de 1844, escreveu sobre o estrago ambiental provocado pelo capitalismo industrial na forma de "poluição universal a ser encontrada nas grandes cidades". Para Marx, "o Homem vive da natureza, ou seja, a natureza é o seu corpo e ele deve manter um diálogo contínuo com ela se não quiser morrer"
[40] . Mas a crítica ecológica do capitalismo de Marx consolidou-se apenas com a publicação do primeiro volume de O Capital, em 1867. Ele foi influenciado pela crítica da agricultura industrial britânica desenvolvida por Justus von Liebig, o principal químico alemão da altura. Apoiando-se em Liebig, Marx sublinhou o facto de que através do transporte de alimentos e de fibras por centenas ou milhares de quilómetros para novos centros urbanos (um reflexo da crescente divisão entre a cidade e o campo), a agricultura capitalista industrializada estava, de facto, a provocar a depleção dos nutrientes básicos do solo (como o nitrogénio, o potássio e o fósforo), que deixavam de recircular pela Terra. Esse processo criou uma grande crise do solo na Europa e nos Estados Unidos, no século XIX. Marx descreveu-o como uma "ruptura irreparável no processo interdependente do metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas próprias leis naturais da vida". Sustentou que a sociedade exigia uma "recuperação" de um metabolismo humano com a natureza sustentável, que, no entanto, só poderia ser completo numa sociedade de produtores associados [41] . Na concepção de sustentabilidade mais radical alguma vez formulada, Marx escreveu:
Do ponto de vista de uma formação socioeconómica mais avançada, a propriedade privada dos indivíduos na Terra surgirá como algo tão absurdo como a propriedade privada de um homem por outro homem. Nem mesmo uma sociedade inteira, uma nação, ou todas as sociedades existentes ao mesmo tempo tomadas em conjunto, são proprietárias da Terra. São apenas seus utilizadores, seus beneficiários, e têm que legá-la num estado melhorado às gerações seguintes, como boni patres familias [bons chefes de família]. [42]
Na presente década, tem havido muitas investigações a aplicar o conceito geral de Marx de ruptura metabólica para explicar as diferentes disjunções na ecologia global relacionadas com a exploração capitalista dos solos, das florestas, dos oceanos e do ciclo do carbono [43] . Isso conduziu à conclusão, para utilizar as palavras dos sociólogos do ambiente Brett Clark e Richard York, que "O capitalismo é incapaz de regular o seu metabolismo social com a natureza de uma forma ambientalmente sustentável. As suas operações violam as leis de restituição e restauro metabólico. A pressão permanente para renovar o processo de acumulação de capital intensifica o seu metabolismo social destrutivo, impondo as necessidades do capital sobre a natureza, sem olhar às consequências dos sistemas naturais" [44] .

Face às crises ecológicas, não qualquer tentativa por parte sistema de ir à raiz do problema nas relações sociais que estão a minar aquilo a que Marx chamava "as condições vitais de existência". Pelo contrário, o problema é contornado, com o capitalismo a continuar "a apostar na mesma estratégia falhada, uma e outra vez"
[45] . O resultado é um composto de desastre ecológico. A solução que o capitalismo deu à crise do solo do século XIX de que falavam Liebig e Marx não foi restaurar o metabolismo humano com o solo, mas, ao invés, desenvolver fertilizantes sintéticos, especialmente os baseados em nitrogénio, que marcaram o início do agronegócio moderno e que (em função do seu elevado uso de petróleo) são uma grande fonte de aquecimento global, bem como contribuem para as zonas mortas nos oceanos. A solução do capitalismo para a produção agrícola mundial na forma do agronegócio moderno resultou numa subsequente polarização da riqueza e da fome. De entre as mais de seis mil milhões de pessoas que vivem hoje no mundo, as Nações Unidas indicam que cerca de mil milhões passam fome, e esses números (quer relativos quer absolutos) estão a crescer. Nos próprios Estados Unidos, cerca de 36 milhões de pessoas, mais ou menos 12 por cento da população, eram, em 2007, afectadas por "insegurança alimentar" [46] .

A derradeira solução do capitalismo para os problemas ecológicos – visto que mudanças fundamentais no próprio sistema são proibitivas – é tecnológica. Mas quaisquer ganhos tecnológicos em eficiência na utilização de recursos naturais são esmagados pela via extensiva e ecologicamente disruptiva do crescimento que caracteriza este sistema rapace. Por conseguinte, o capitalismo é um sistema falhado no que à sustentabilidade ecológica diz respeito.

Instabilidade imperial global

Tudo o que foi dito atrás tem que ser visto em termos do capitalismo enquanto sistema mundial. O capitalismo nasceu nos séculos XV e XVI, desenvolvendo- se a partir de um pequeno canto da Europa, e foi desde o seu início uma economia globalizante. Mas a sua globalização tomou a forma de uma divisão, logo à partida, entre centro e periferia e, por conseguinte, foi imperial por natureza. O sistema foi engrenado pelas necessidades de acumulação no centro, ou o topo da hierarquia mundial. O tempo correu e mais áreas externas foram incorporadas na economia capitalista mundial, de tal forma que essa globalização, no sentido da ascendência global do capital, está hoje mais ou menos completa. O exemplo mais dramático nas últimas décadas foi a rápida integração da China na economia mundial (e o colapso do bloco soviético e a subsequente integração da maioria desses Estados na condição de satélites dependentes do capitalismo ocidental).

No entanto, a globalização, considerada por si só, não é uma forma muito útil de compreender a dinâmica de acumulação do sistema nesta fase específica do seu desenvolvimento, que é melhor caracterizada, como sustentou Sweezy, em termos de três elementos: crescimento lento (no centro e na economia mundial como um todo), monopolização através das empresas multinacionais e financeirização. A globalização continuada, associada à financeirização, criou a ilusão, propagada por certos ideólogos do sistema, de que "o mundo é plano"
[47] . Ainda assim, o capitalismo continua a ser um sistema económico mundial dividido em Estados-nação separados, com diferentes recursos de poder – uma contradição impossível de transcender no quadro do sistema. Ao mesmo tempo, o crescimento das empresas multinacionais baseado nos países do centro serviu historicamente para canalizar as mais-valias globais das periferias para os centros. A concentração de poder (económico, militar, financeiro, comunicacional) no centro é intrínseca ao capitalismo enquanto sistema mundial, embora as nações específicas que constituem o centro e a periferia (e a semiperiferia) possam mudar. A economia mundial está, nesse sentido, desproporcionadamen te assente nas necessidades de acumulação nos países centrais. O sistema capitalista mundial é mais estável quando é governado por um único poder hegemónico, como aconteceu com a Grã-Bretanha em grande parte do século XIX e com os Estados Unidos em grande do século XX. Em períodos de instabilidade hegemónica e de crises económicas mundiais, o sistema aproxima-se das condições para a crise total, como pudemos testemunhar com as duas guerras mundiais.

Os desastres ecológicos e económicos planetários, acima discutidos, estão a ocorrer num tempo em que há uma mudança geopolítica tectónica a decorrer no interior do capitalismo. Os Estados Unidos continuam a declinar em poder relativo, ao mesmo tempo que não há um poder singular ou um grupo de poderes que, neste momento, os possam desafiar, particularmente com a queda da União Soviética. Nessas circunstâncias, os Estados Unidos procuram assegurar o controlo dos recursos estratégicos e um posicionamento geoestratégico que venha a gerar um "novo século americano", naquilo que marca claramente uma época de "imperialismo nu"
[48] . Isto resultou numa nova doutrina oficial da guerra antecipativa e no lançamento de guerras no Afeganistão e no Iraque. Ao mesmo tempo, Washington tem sido a força liderante na promoção das políticas neoliberais, impondo um capitalismo hayekiano no mundo – não para criar um mundo mais plano, mas para consolidar o poder dos Estados que já estão no topo.

Essas ambições globais de um só Estado, porém, transmutam-se inevitavelmente de uma fonte de estabilidade hegemónica numa fonte de instabilidade hegemónica para o sistema mundial. Não obstante as suas tendências globalizantes, o capitalismo é incapaz de integrar-se politicamente numa forma de governo global. Pelo contrário, as tentativas empreendidas por Washington para restaurar e expandir a sua hegemonia global, utilizando o seu poder militar para reforçar a sua posição económica, estão a criar aquilo que é potencialmente o período mais mortífero da história do imperialismo. Os Estados Unidos expandiram recentemente as suas bases à volta do mundo para 70 países e territórios, ao passo que as suas tropas operam num campo ainda mais vasto. Os gastos militares dos Estados Unidos em 2007, de acordo com os dados oficiais, atingiram os 552 mil milhões de dólares, aproximadamente os gastos militares estimados de todas as restantes nações do mundo em conjunto, mas os gastos militares reais dos Estados Unidos em 2007 chegaram a 1 bilião de dólares
[49] . Amiya Kumar Bagchi, um dos economistas mais prestigiados da Índia, chamou a este fenómeno uma "terceira era axial", na qual os Estados Unidos emergiram como superimperialistas
e o seu governo afirmou que não há leis ou organizações internacionais que os possam deter em quaisquer acções materiais que considerem corresponder aos seus interesses nacionais (leia-se, obviamente, os interesses do grande capital norte-americano) . Ao mesmo tempo que esse grande capital, suportado pelo sector militar superimperialista, prossegue o seu curso criminoso, o poder negocial dos trabalhadores em todo o mundo é reduzido a níveis bastante baixos através de uma combinação de medidas – finança totalmente desregulada, enfraquecimento do Estado e aniquilação de direitos dos trabalhadores face ao capital através de legislação. [50]
Não há dúvida de que o aparelho de segurança nacional nos Estados Unidos, neste período, vê a China, como referiu o grande filósofo marxista István Mészáros, como o seu "derradeiro alvo" [51] . Isso foi mais evidente nos últimos anos: (1) nos relatórios após relatórios do aparelho de segurança nacional dos Estados Unidos a alertar para a influência crescente da China em África e o seu acesso às reservas petrolíferas africanas, cujo controlo é encarado como vital para a "segurança nacional" dos Estados Unidos; (2) nos medos continuados no interior dos serviços de inteligência norte-americanos de uma aliança sino-iraniana ou sino-russo-iraniana ; (3) nos esforços norte-americanos para formar uma pacto militar com a Índia; (4) nas preocupações acerca dos avanços espaciais da China; e (5) nos conflitos que envolvem o Tibete, Taiwan, a Coreia do Norte e o Mar da China. Embora os Estados Unidos estejam economicamente ligados à China através da produção das empresas multinacionais e do comércio e trocas monetárias intensivas – de tal forma que as duas economias parecem formar uma espécie de abraço simbiótico –, a intensificação da rivalidade geopolítica, associada ao declínio da hegemonia dos Estados Unidos e à ascensão da China como poder mundial, pode criar a possibilidade de vir a verificar-se um relacionamento mais explosivo.

Actualmente, há vários medos palpáveis nos círculos superiores de Washington em relação ao papel continuado – e, do seu ponto de vista, necessário e inegociável – do dólar como moeda de reserva, mesmo perante o actual apoio da China ao sistema do dólar. Washington compreende que o apoio da China ao dólar é problemático, especialmente na eventualidade de uma desvalorização acelerada das obrigações de dólar existentes, resultante da política da Reserva Federal. A China detém 652 mil milhões de dívida do Tesouro norte-americano (no final de 2007, esse valor era de 459 mil milhões de dólares). Tudo somado, detém 10 por cento da dívida pública norte-americana. Uma desvalorização acelerada seria vista na China como uma expropriação. Um subsequente movimento da China de afastamento do dólar, mesmo que limitado – e nada mais que movimentos limitados são imediatamente possíveis –, poderia desestabilizar drasticamente toda a ordem económica mundial dominada pelos Estados Unidos
[52] .

Ao mesmo tempo que Washington se preocupa com a potencial ameaça crescente à sua hegemonia colocada pela ascensão da China, também se empenha na contenção ou enfraquecimento de outros Estados, como a Rússia, o Irão e a Venezuela. Não há dúvida de que a crise ecológica e a crise económica, à medida que pioram, tenderão a desestabilizar o sistema, intensificando essas e outras tensões imperiais.

A teoria geopolítica clássica sugere que só contendo as regiões limítrofes da Eurásia pode um único poder controlar o globo. A estratégia norte-americana no presente centra-se no Médio Oriente, enquanto ponto petrolífero estratégico da Eurásia. Mas o seu principal objectivo é defender, e mesmo expandir, a sua própria ascendência global, enfraquecida relativamente aos seus potenciais adversários económicos e militares. Com a generalização das armas de destruição em massa – que as tentativas dos Estados Unidos de consolidarem o seu domínio militar e económico efectivamente encorajam – não é difícil imaginar uma situação de descontrolo. O terror de um holocausto global que emerge de uma tal instabilidade económica, ecológica e geopolítica – colocado, em primeira análise, pela recusa por parte dos Estados Unidos e do seu aliado israelita de aceitarem a falência das suas políticas no Médio Oriente e a correlacionada má gestão dos recursos energéticos mundiais – é um perigo que não pode ser subestimado. A realidade deprimente marca a paz falhada – Pox Americana, em vez de Pax Americana – de um sistema falhado.

Para lá de um sistema falhado

Como mostra o que atrás se referiu, o mundo enfrenta actualmente a ameaça de uma nova deflação-depressão, nunca vista desde os anos 1930. O problema ecológico atingiu um nível que ameaça o planeta tal como o conhecemos. O capitalismo neoliberal parece estar num beco sem saída, conjuntamente com o que muitos chamaram "neoliberalismo “com características chinesas”"
[54] . O declínio da hegemonia norte-americana, associado às actuais tentativas dos Estados Unidos de restaurar militarmente a sua hegemonia global através da chamada Guerra ao Terror, ameaça com guerras mais vastas e com holocaustos nucleares. O denominador comum que determina todas essas crises é a actual fase do capital monopolista- financeiro global. As linhas de fractura são mais óbvias em termos dos perigos para o planeta. Como referiu recentemente Evo Morales, presidente da Bolívia, "Sob o capitalismo, não somos seres humanos, mas consumidores. Sob o capitalismo, a mãe Terra não existe; ao invés, há matérias-primas" . Na verdade, "a Terra é muito mais importantes que [as] acções de Wall Street e de todo o mundo. [No entanto], enquanto os Estados Unidos e a União Europeia alocarem 4100 mil milhões de dólares para salvarem banqueiros da crise financeira que eles próprios causaram, os programas em torno das alterações climáticas obtêm 313 vezes menos, ou seja, apenas 13 mil milhões de dólares" [55] .

A crise económica mundial é hoje tão severa que uma figura como Martin Wolf, um dos principais comentadores económicos do Financial Times, "atlantista" e apologista das políticas norte-americanas, avisa que todo o sistema do comércio mundial pode falir como aconteceu na década de 1930. Não surpreende que Wolf responsabilize os "países mercantilistas" com grandes mais-valias externas e uma procura interna insuficiente, como a China, a Alemanha e o Japão. E destaca a China como o principal culpado. Os chamados países "mercantilistas" são acusados de levar a cabo políticas de mendigar-ao- vizinho, às custas dos países deficitários (ou seja, acima de todos, os Estados Unidos) e do mundo inteiro
[56] . Não atingimos ainda o ponto em que é possível perguntar que consequências traria o colapso do dólar, enquanto moeda de reserva e de transacção global unilateral, e isso atira Wolf e os restantes atlantistas para algo próximo da histeria. São esses mesmos Estados mercantilistas que estão no centro plausível de uma nova moeda multilateral global, uma perspectiva de medo indizível e horror para os atlantistas que gera as tensões geopolíticas que obstruem um tal projecto.

É claro que a globalização neoliberal tem que chegar a um fim e que o capitalismo está numa crise de longo prazo. Estamos hoje confrontados como a "economia da depressão", não como uma ocorrência especial, mas como uma ocorrência geral. Como sugeriu durante muito tempo o teórico do sistema-mundo, Immanuel Wallerstein, o que foi chamado "globalização" nas últimas duas décadas foi, na verdade, uma "era de transição" ao nível global do actual sistema-mundo capitalista para outra coisa
[57] .

O que é realmente essa outra coisa, não sabemos nem poderemos saber neste ponto, na medida em que isso depende das respostas não apenas dos Estados e das empresas, mas, mais importante, da resposta das populações do mundo. No topo da intensa alienação de classe, exploração e desigualdades endémicas do capitalismo a todos os níveis, enfrentamos hoje fracturas globais mais amplas. Até agora, ao nível continental, a liderança no reconhecimento de que a única resposta possível é revolucionária – um novo socialismo para o século XXI – foi tomada pelos povos da América Latina, em Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador, e também se manifesta nas lutas que têm lugar no Brasil, no México, na Nicarágua e em muitos outros lugares
[58] . A América Latina, que foi o primeiro continente a sentir o mais duro golpe da globalização neoliberal, a região mais brutalmente atingida fora do Médio Oriente em termos de intervenções militares nos últimos 25 anos e a região que foi a base inicial da hegemonia internacional norte-americana, mostra hoje um caminho para o mundo – não só em relação à luta pela igualdade substantiva, que é essencial, mas também em relação a salvar o planeta do capitalismo. Como afirmou Morales, "a humanidade é capaz de salvar a Terra se recuperar os princípios da solidariedade, da complementaridade e da harmonia com a natureza, em contraposição ao reino da competição, dos lucros e do consumo desvairado dos recursos naturais" que distingue o sistema falhado do capitalismo [59] .
Notas:
1. Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, Harper and Row, Nova Iorque, 1947, p. 61.
2. John Bellamy Foster e Fred Magdoff, The Great Financial Crisis, Monthly Review Press, Nova Iorque, 2009.
3. George W. Bush, Encontro sobre Mercados Financeiros e a Economia Mundial, Washington, D.C., 15 de Novembro de 2008.
4. Paul Krugman, The Return of Depression Economics and the Crisis of 2008, W. W. Norton, Nova Iorque, 2009.
5. John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money, Macmillan, Londres, 1973, p. 372.
6. Keynes, The General Theory, p. xxxv.
7. Keynes, The General Theory , pp. 376-78.
8. Keynes, The General Theory , p. 3.
9. Joan Robinson, recensão a Money, Trade and Economic Growth, de J. G. Johnson, Economic Journal 72, n.º 287, Setembro de 1962, pp. 690-92; Lynn Turgeon, Bastard Keynesianism, Greenwood Press, Westport, 1996.
10. Dimitri B. Papadimitriou e L. Randall Wray, "Introduction" , in Hyman P. Minsky, John Maynard Keynes, McGraw Hill, Nova Iorque, 2008, p. xii.
Esta perspectiva da teoria geral de Keynes como uma "ocorrência especial" foi inicialmente influenciada pela proposta de Leijonhufvud, que sustentava que havia emergido um compromisso entre a maioria das correntes económicas, que assumia: "(1) o modelo que Keynes designava por “teoria geral” não é senão uma ocorrência especial da teoria clássica, obtida pela imposição de certas assunções restritivas sobre aquela; e (2) a ocorrência especial keynesiana é, apesar de tudo, importante porque, como sucede, é mais relevante para o mundo real que a teoria geral (do equilíbrio)". Axel Leijonhufvud, "Keynes and the Keynesians", American Economic Review 57, n.º 2, Maio de 1967, pp. 401-02. Mais tarde, porém, devido à emergência do monetarismo e de outras doutrinas conservadoras, a análise de Keynes veio a ser tratada como menos relevante para o mundo real e a teoria geral e a sua "economia da depressão" foi reduzida a uma "ocorrência especial", quer teoricamente quer historicamente. Cf. Robert Skidelsky, John Maynard Keynes, 1883 1946, Penguin, Londres, 2003, pp. 846-51.
11. Robert E. Lucas, "Macroeconomic Priorities", American Economic Review 93, n.º 1, Março de 2003, p. 1; Ben S. Bernanke, "The Great Moderation", Eastern Economic Association, Washington, D.C., 20 de Fevereiro de 2004, http://www.federalr eserve.gov.
12. Krugman, The Return of Depression Economics, pp. 181-84; cf. também Paul Krugman, The Return of Depression Economics, W. W. Norton, Nova Iorque, 2000, pp. viii, xiii.
13. Robert Skidelsky, "The Remedist", The New York Times, 14 de Dezembro de 2008.
Skidelsky juntou-se orgulhosamente ao Partido Conservador ("Tory") britânico em 1992, nas profundidades mais escuras da "revolução" neoliberal thatcheriana. Uma biografia de Keynes muito superior à de Skidelsky é a de D. E. Moggridge, Maynard Keynes: An Economist's Biography, Routledge, Londres, 1992.
14. Krugman, The Return of Depression Economics, p. 5.  Krugman escreveu um artigo em 1998 atacando fortemente os "keynesianos vulgares", do género "keynesiano inicial", pelas suas noções de "paradoxo da poupança", má distribuição da riqueza e defesa do aumento dos salários reais.  Esses "keynesianos vulgares", sugeriu, não eram tomados a sério pelos economistas dos dias de hoje por razões que poderiam ser resumidas em "duas palavras: Alan Greenspan".  Escreveu: "É óbvio (para mim) que a taxa de desemprego média nos próximos dez anos será a que a FED quiser".  
Paul Krugman, The Accidental Economist, W. W. Norton, Nova Iorque, 1998, pp. 28-33.
15. Karl Marx, Capital, vol. 1, International Publishers, Nova Iorque, capítulo 4; Paul M. Sweezy, Four Lectures on Marxism, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1981, pp. 26-45.
16. Karl Marx, Capital, vol. 3, International Publishers, Nova Iorque, 1967, p. 484 (capítulo 30).
17. Marx, Capital, vol. 3, p. 507 (capítulo 32, secção 2).
18. Marx, Capital, vol. 3, pp. 484, 507 (capítulos 30 e 32); Marx, Capital, vol. 1, p. 138 (capítulo 3, secção 3b). O 42.º Salmo (versão rei James) diz: "Como o cervo anseia pelas correntes das águas, assim a minha alma anseia por ti, ó Deus".
19. Cf. Michal Kalecki, Theory of Economic Dynamics, Augustus M. Kelley, Nova Iorque, 1965; Josef Steindl, Maturity and Stagnation in American Capitalism, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1976.
20. Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Monopoly Capital, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1966.
21. Paul M. Sweezy e Harry M. Magdoff, The Dynamics of U.S. Capitalism, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1972; The End of Prosperity, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1977; Stagnation and the Financial Explosion , Monthly Review Press, Nova Iorque, 1987; e The Irreversible Crisis, Monthly Review Press, Nova Iorque, 1988.
22. Kalecki, Theory of Economic Dynamics , p. 161.
23. Baran e Sweezy, Monopoly Capital , p. 108.
24. Cf. Hyman Minsky, Can “It” Happen Again?, M. E. Sharpe, Nova Iorque, 1982.
25. Magdoff e Sweezy, The Dynamics of U.S. Capitalism, pp. 180-96.
26. Magdoff e Sweezy, Stagnation and the Financial Explosion , p. 22.
27. Foster e Magdoff, The Great Financial Crisis , pp. 49, 63-76, 121.
28. Jim Reid citado no seu blogue do Financial Times, Alphaville, 15 de Dezembro de 2008, http://ftalphaville .ft.com/blog/ 2008/12/15/ 50429/so- what-could- go-wrong- next. Cf. também John Bellamy Foster, Harry Magdoff e Robert W. McChesney, "What Recovery?", Monthly Review 54, n.º 11, Abril de 2003, pp. 8-13.
29. Paul M. Sweezy, "More (or Less) on Globalization" , Monthly Review 49, n.º 4, Setembro de 1997, pp. 3-4.
30. Minqi Li, "An Age of Transition: The United States, China, Peak Oil, and the Demise of Neoliberalism" , Monthly Review 59, n.º 11, Abril de 2008, p. 28; Kevin Hamlin, "China Property Slump Threatens Global Economy as Growth Slows", Bloomberg.com, 7 de Dezembro de 2008; "China Fears Restive Migrants as Jobs Disappear in Cities", The Wall Street Journal, 7 de Dezembro de 2008; "Slowdown in China Gets Worse, Increasing Global Woes", The Wall Street Journal, 11 de Dezembro de 2008.
31. Bo Ekman, Johan Rockström e Anders Wijkman, Grasping the Climate Crisis, Fundação Tällberg, Estocolmo, 2008, p. 8,
http://www.tallberg foundation. org .
32. John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York, "Ecologia: o momento da verdade. Uma introdução ", Monthly Review – edição portuguesa , n.º 3, Julho de 2008.
33. Ekman, et. al., Grasping the Climate Crisis, p. 18; Mark Lynas, Six Degrees, National Geographic, Washington, D.C., 2008.
34. James Hansen, et. al. , "Target Atmospheric CO 2 : Where Should Humanity Aim?", The Open Atmospheric Science Journal 2, 2008, pp. 217, 221, 228-29, suplemento: p. xix.
35. Simon Dietez e Nicolas Stern, "On the Timing of Greenhouse Gas Emissions Reductions: A Final Rejoinder to the Symposium on 'The Economics of Climate Change: The Stern Review and its Critics", Review of Environmental Economics and Policy, colocado online em 4 de Dezembro de 2008; William Nordhaus, A Question of Balance, Yale University Press, New Haven, 2008.
36. John Kenneth Galbraith, The Economics of Innocent Fraud, Houghton Mifflin, Boston, 2004; James Gustave Speth, The Bridge at the End of the World, Yale University Press, New Haven, 2008, p. 63.
37. Bloomberg.com, "China Property Slump Threatens Global Economy". Os apelos ao crescimento da China feitos pela Bloomberg.com expressam-se em termos monetários e são consideravelmente marcados pela monetarização dos bens públicos socialistas pré-existentes, previamente valorizados pela sua utilidade, e não pela quantidade de dinheiro por que poderiam ser trocados.
38. Karl Marx e Friedrich Engels, Selected Works in One Volume, International Publishers, Nova Iorque, 1984, pp. 88, 90. Aqui, Marx parece brincar com uma conhecida passagem do Talmude, traduzido popularmente como "Cada espada de erva tem o seu anjo que se inclina sobre ela e sussurra “Cresce, cresce”", Midrash Rabba, Bereshit 10:6 (comentário talmúdico sobre o Génesis).
39. Lawrence H. Summers, "Summers on Sustainable Growth", The Economist, 30 de Maio de 1992; cf. também John Bellamy Foster, Ecology Against Capitalism, Monthly Review Press, Nova Iorque, 2002, pp. 60-68.
40. Karl Marx, Early Writings, Penguin, Londres, 1974, pp. 302, 328.
41. Karl Marx, Capital , vol. 1, Penguin, Londres, 1976, pp. 636-38 (capítulo 15, secção 10; Karl Marx, Capital , vol. 3, Penguin, Londres, 1981, pp. 911, 948-50; John Bellamy Foster, Marx's Ecology, Monthly Review Press, Nova Iorque, 2000, pp. 141-77.
42. Marx, Capital , vol. 3, p. 911 (capítulo 46).
43. Cf., por exemplo, Brett Clark e Richard York, "Carbon Metabolism", Theory & Society 34, n.º 4, 2005, pp. 391-428; Rebecca Clausen e Brett Clark, "The Metabolic Rift and Marine Ecology", Organization & Environment 18, n.º 4, 2005, pp. 422-44; Philip Mancus, "Nitrogen Fertilizer Dependency and Its Contradictions: A Theoretical Explanation of Socio-Ecological Metabolism", Rural Sociology 72, n.º 2, 2007, pp. 269-88.
44. Brett Clark e Richard York, "Rupturas e mudanças. Ir à raíz das crises ambientais ", Monthly Review – edição portuguesa n.º 7, Novembro de 2008.
45. Ibid .; Karl Marx, Theories of Surplus Value , vol. 3, Publicações Progresso, Moscovo, 1971, pp. 301-10.
46. Fred Magdoff, "A crise alimentar mundial", Monthly Review – edição portuguesa , no. 1, Maio de 2008; "New USDA Statistics Highlight Growing Hunger Crisis in the U.S.", Reuters, 17 de Novembro de 2008.
47. Thomas L. Friedman, The World is Flat, Farrar, Strauss and Giroux, Nova Iorque, 2005.
48. Cf. John Bellamy Foster, Naked Imperialism, Monthly Review Press, Nova Iorque, 2006.
49. John Bellamy Foster, Hannah Holleman e Robert W. McChesney, "O triângulo imperial norte-americano e os gastos militares", Monthly Review – edição portuguesa, n.º 6, Outubro de 2008; Foster, Naked Imperialism, pp. 55-66; Chalmers A. Johnson, The Sorrows of Empire, Metropolitan Books, Nova Iorque, 2004; István Mészáros, The Challenge and Burden of Historical Time, Monthly Review Press, Nova Iorque, 2008, pp. 105-07.
50. Amiya Kumar Bagchi, Perilous Passage: Mankind and the Global Ascendancy of Capital, Rowman and Littlefield, Nova Iorque, 2005, p. xvii.
51. Mészáros, The Challenge and Burden of Historical Time , pp. 124-26.
52. "Dollar Shift: Chinese Pockets Filled as Americans' Emptied", The New York Times , 26 de Dezembro de 2008.
53. Cf. John Bellamy Foster e Robert W. McChesney, eds., Pox Americana, Monthly Review Press, Nova Iorque, 2004; John Bellamy Foster, "The New Geopolitics of Empire", Monthly Review , n.º 8, Janeiro de 2006, pp. 4-6.
54. David Harvey, A Brief History of Neoliberalism, Oxford University Press, Oxford, 2005, pp. 120-51.
55. Evo Morales, "Save the Planet from Capitalism", 28 de Novembro de 2008, http://links. org.au/node/ 769.
56. Martin Wolf, "
Global Imbalances Threaten the Survival of Liberal Trade ", blogue do Financial Times Economists' Forum , 2 de Dezembro de 2008,
57. Immanuel Wallerstein, The Decline of American Power, The New Press, Nova Iorque, 2003, pp. 45-68.
58. Se a América Latina está a desempenhar um papel revolucionário liderante ao nível continental, não devemos negar a importância dos desenvolvimentos que vão tendo lugar noutras regiões, por exemplo no Nepal.
59. Morales, "Save the Planet from Capitalism".

Notas de resistir.info
[NR 1] A crença do autor na teoria do aquecimento global não tem correspondência no plano dos factos pois nos últimos anos tem havido, antes, um arrefecimento global. As emissões de CO 2 de origem humana na verdade são irrelevantes para o clima terrestre.
[NR 2] O alarmismo quanto ao suposto derretimento dos pólos não tem base na realidade. Verifica-se até que em certas partes do Árctico e da Antárctida a espessura do gelo está a aumentar.
[NR 3] Se isso fosse verdade não seria mau pois a Gronelândia poderia voltar a ser produtiva em termos alimentares.   Durante a Idade Média a Gronelândia (Green Land = Terra Verde) chegou a ser colonizada pelos vikings e autónoma em termos alimentares.
[NR 4] Esse suposto aumento de 2ºC foi estimado com base em modelos construídos a partir de uma teoria climatológica obsoleta pois anterior a
Marcel Leroux .

[*] Editor da Monthly Review e professor de Sociologia na Universidade de Oregon.  É co-autor, com Fred Magdoff, de The Great Financial Crisis: Causes and Consequences (Monthly Review Press, Janeiro de 2009), entre muitos outros trabalhos. Este artigo foi originalmente uma comunicação apresentada à Conferência Internacional sobre a Crítica do Capital na Era da Globalização, na Universidade de Suzhou, na China, em 11 de Janeiro de 2009.
O original encontra-se em
http://monthlyrevie w.org/090302fost er.php . Tradução gentilmente cedida por Zion Edições

No hay comentarios:

Publicar un comentario