lunes, 27 de agosto de 2012

Entrevista a Gabriel Palma - Por que a América Latina não cresce como a Ásia?


Em 1980 o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China combinados. Em 2010, a indústria brasileira representou pouco menos de 15% em comparação com esses países. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só dois por cento do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido que há 20 anos. A avaliação é de Gabriel Palma, professor chileno da Universidade de Cambridge, em entrevista à Carta Maior.
Marcelo Justo - Correspondente da Carta Maior em Londres
1/2/12
Londres - Ao fim de 2011 a economia brasileira teve crescimento nulo. No princípio deste ano, um prestigioso instituto britânico, o Centre for Economic and Busines Research, colocou o Brasil à frente do Reino Unido na lista das “top 10” economias do mundo e previu que, em 2020, sua economia superaria à da Alemanha, hoje segundo exportador mundial depois da China. Carta Maior dialogou com Gabriel Palma, acadêmico chileno da Universidade de Cambridge, na Grã Bretanha, especialista em política econômica comparada, que há anos procura desentranhar por que os países da Ásia têm um crescimento sustentável que não existe na América Latina.

No Brasil o copo está meio vazio ou meio cheio?


Gabriel Palma – Que a economia brasileira em termos de Produto Bruto Interno tenha passado a do Reino Unido não é tão significativo como pareceria à primeira vista porque o Brasil tem três vezes a população britânica. Se for comparado este dado com outras estatísticas brasileiras como a desaceleração, a desindustrialização, a "commoditificação" da economia, o panorama muda. Meu ponto de partida é outro. O que venho me perguntando faz tempo é por que os países da América Latina não podem crescer como os da Ásia. Na Coréia, Singapura, Taiwan, Malásia, Tailândia, Indonésia e China, o crescimento foi de dois dígitos durante décadas. Na América Latina não. Dá-se um crescimento de dois dígitos que dura uns anos e depois se esvazia. E não acontece só no Brasil. Acontece no Chile, na Argentina, no resto da região.

E qual é a resposta a essa pergunta?


Gabriel Palma – Como você pode imaginar é muito complexa. Mas os dados são muito claros. Em 1980 o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China combinados. Em 2010, a indústria brasileira representou pouco menos de 15% em comparação com esses países. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só dois por cento do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido que há 20 anos. O caso do México, que nos anos 80 se propôs um desenvolvimento exportador com as montadoras. Hoje tem a mesma proporção de montadoras que 30 anos atrás.

A China, que também teve este modelo exportador nos anos 80, hoje exporta a metade de sua produção com produtos de alto valor agregado. Há uma ambição econômica na Ásia que contrasta com a inércia que se sente na América Latina. Isso não quer dizer que não há tentativas. Na Argentina se está experimentando algo diferente. No Brasil, Mantega está tentando, mas se choca com o Banco Central. Na Ásia todos parecem querer se superar.

Entretanto, no caso do Brasil se calcula que uns 13 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza na última década, sinal de que houve avanços.

Gabriel Palma – No Brasil como no Chile e na Argentina, houve avanços, tanto neste sentido como na redução do desemprego. No Brasil temos o salário mínimo e o bolsa-família que dará a 11 milhões de famílias subsídios que lhes permitam baixar os níveis de pobreza. A questão é que todo este bolsa-família é 0,5% do PIB. Agora, se com 0,5% do PIB se consegue esta redução da pobreza, por que não se tenta com 1% do PIB que não é nada do outro mundo e que reduziria em 11 milhões mais a pobreza? Segundo um estudo da CEPAL, há seis países latino-americanos, entre eles a Argentina, o Brasil e o Chile, nos quais custaria menos de 1% do PIB terminar com a pobreza. Se falarmos da Índia, com 500 milhões de pobres, a tarefa é titânica: custa 10% do PIB terminar com a pobreza. Na América Latina não. No Chile, com 20 anos de governo da Concertação se reduziu primeiro a pobreza de 40% a 20% e, uma década mais tarde, 10%. Hoje voltou a dar um salto a 15%. Inclusive com governos progressistas, que têm uma vontade política neste sentido, com contas fiscais em ordem e um boom de commodities, o avanço é muito menor do que poderia ser.

Há um assunto que trata do desenvolvimento também. A pobreza está inevitavelmente vinculada com o modelo econômico que se aplica. 


Gabriel Palma – Não resta dúvida. No Brasil há uma crescente "commoditificação" da economia. Há 10 anos as commodities representavam 25% do total. Hoje constituem 50%. Há um grande desenvolvimento das commodities, mas com poucos produtos processados e com um abandono da indústria manufatureira que é lamentável. O atual modelo econômico, que começou nos anos 80, aprofundou-se com Cardozo e continuou com Lula, se baseia em um tipo de câmbio sobrevalorizado e na entrada de capital, o que vem causando a desindustrialização do país. Não há país asiático que siga esta política macro.

O governo lançou o programa Brasil Maior para revitalizar a indústria. O caminho pode ser este?


Gabriel Palma – Se parar a decadência já me conformo. Ao olhar a taxa de investimento total – nacional, estrangeira, pública e privada – por trabalhador no Brasil, se percebe que hoje são menores do que nos anos 80. Ao comparar com a China se percebe que o investimento aumentou 12 vezes com respeito aos anos 80. O Brasil vem há 30 anos com um investimento público menor que 3% do PIB. Hoje a infra-estrutura está caindo aos pedaços. E as taxas de juro são usurárias. No último estudo da Federação de Comercio de São Paulo, a taxa de juros média do cartão de crédito batia em 230 % anual. Fala-se muito da criação de una nova classe média graças ao acesso ao crédito, mas além de acesso ao consumo o que eu vejo é um grande endividamento com taxas de mora muito altas.

Há uma bomba-relógio no setor financeiro do Brasil?


Gabriel Palma – Não acho que seja como a dos Estados Unidos e Europa. Há problemas, mas as contas fiscais são sustentáveis, a dívida externa caiu, o setor produtivo não tem grandes dívidas. O melhor que se pode dizer do Brasil é que não há nenhuma bomba-relógio financeira nos próximos cinco anos. Mas também está claro que não vai haver um crescimento de mais de três ou 4 % e terá um grande desenvolvimento do setor financeiro e das commodities. O último informe global do Banco Santander é muito interessante neste sentido. No Brasil estão 15% de seus ativos e 30 % de seus lucros mundiais. Por isso todos receberam Lula como um herói em Davos.

Que impacto pode ter esta situação do Brasil em seus vizinhos em meio à atual crise econômica?


Gabriel Palma – A grande vantagem dos países latino-americanos é que a demanda das commodities vai continuar. Isto amortiza o impacto de uma crise externa. Acho que a atual crise mundial vai deixar lembranças, não tanto pela profundidade, mas pelo tempo que vai custar para sair. Neste sentido, a América Latina teria que se preparar para cinco ou dez anos de dificuldades no setor externo e se concentrar mais em potencializar seu mercado doméstico.

Tradução: Libório Junior

Por que o Brasil se atrasa - Adriano Benayon [*]


www.resistir.info 
21/7/12
1. A desindustrialização do Brasil não tem sido explicada adequadamente, sequer pelos economistas menos vinculados à ideologia das corporações transnacionais. 

2. Em entrevista à BBC (13/07/2012), Gabriel Palma, professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra, lembrou que, em 1980, a produção industrial no Brasil superava a do conjunto formado por China, Índia, Coreia do Sul, Malásia e Tailândia e que, em 2010, já não representava senão 10% do total produzido nesses países.
 

3. O economista Leonardo Guimarães Neto, publicou artigo no portal do Centro Celso Furtado, Ano 6 – Edição 8, Recife, 13/04/2012, intitulado "A retomada da indústria brasileira: o recado de Antônio Barros de Castro" . 

4. Nele aprecia o pacote estímulos, de R$ 60 mil milhões [€158 mil milhões], à indústria brasileira
 (sic), incluindo: desoneração fiscal, ampliação e barateamento do crédito; redução de até 30% do imposto sobre produtos industrializados para o setor automobilístico; redirecionamento de compras governamentais para bens produzidos internamente; redução de impostos na tecnologia da informação. 

5. Deixa de denunciar mais esse absurdo presente à predadora indústria automobilística estrangeira, que não cessa de descapitalizar o País, enviando ao exterior os ganhos oligopolistas arrancados dos consumidores nacionais.
 

6. Omite também que, sob a presente estrutura industrial, dominada pelas transnacionais, os investimentos e subsídios aos centros de pesquisa tecnológica significam desperdício de recursos públicos, porquanto, não havendo empresas nacionais viáveis no mercado, só ínfima fração do resultado das pesquisas resultará em inovação tecnológica. 

7. Observa Guimarães, que, embora bem recebido, o pacote foi considerado insuficiente por sindicatos patronais e de trabalhadores. Esses reclamam: (i) desvalorização cambial, (ii) redução dos juros e dos spreads bancários e (iii) redução do preço de insumos fundamentais para a atividade industrial, como a energia elétrica. 

8. Segundo Guimarães, a perda de competitividade da indústria nacional [sic] não se deve só ao custo Brasil: enorme carga tributária; juros e spreads bancários altos; elevados preços da energia elétrica; enormes déficits de infra-estrutura de transporte e logística. 

9. A perda estaria associada à reduzida capacidade de inovação da grande maioria dos segmentos produtivos da indústria nacional
 (sic), em contexto de acelerado avanço tecnológico nos países competidores, tais como a China. 

10. Precisamos, porém, ir mais fundo. Entender por que essa capacidade é reduzida. Daí, inseri três vezes o advérbio latino"sic"
 , após "indústria brasileira ou nacional, porque a questão básica, intocada nas discussões correntes, é a desnacionalização, o fato de a produção realizada no Brasil não ser nacional, mas subordinada às matrizes das transnacionais estrangeiras que a controlam. 

11. É ridículo falar em inovação tecnológica com a indústria desnacionalizada e com os seus centros das decisões sobre produção e mercados, situados no exterior.
 

12. Se não há inovação tecnológica no Brasil é porque as transnacionais se apropriaram de tecnologias no exterior, amortizaram-nas com as vendas em outros mercados e as utilizam aqui a custo real zero, tal como acontece com as máquinas e equipamentos importados a preços superfaturados. 

13. Por que, então, tais indústrias não são competitivas, se seus custos reais de produção são extremamente baixos, ademais de as transnacionais receberem colossais subsídios prodigalizados pelos governos federal, estaduais e municipais? 

14. Porque o valor contábil das despesas das subsidiárias no Brasil é levado às alturas, através dos preços que estas pagam às matrizes nas importações dos bens de produção (inclusive o da tecnologia, jamais transferida): os bens de capital e os insumos, tudo é superfaturado, além de serviços sobrefaturados e até fictícios. 

15. Em suma, as políticas de favorecimento às transnacionais, inauguradas em 1954, e intensificadas desde então, fazem que os brasileiros paguem para se tornarem pobres. Os fabulosos lucros reais obtidos pelas transnacionais são transferidos ao exterior, não apenas como tal, mas também através desses superfaturamentos e do subfaturamento de exportações. 

16. Estando a economia concentrada por empresas transnacionais e bancos, na maioria desnacionalizados, e os "nacionais" associados aos estrangeiros e com eles ideologicamente alinhados, é esse sistema imperial que elege os "governantes" nos poderes do Estado brasileiro, pois as eleições dependem dos dinheiros para as campanhas e do acesso às redes de TV comerciais, vinculadas aos mesmos interesses. 

17. Em tais condições, tornam-se inócuos os votos piedosos dos economistas, quando recomendam reformular a infra-estrutura de transportes e logística, baixar os juros até o patamar internacional (o que viabilizaria reduzir a carga tributária), desvalorizar a taxa cambial etc. 

18. Mantendo-se a atual estrutura de poder, essas medidas seriam irrealizáveis, além de que, para funcionarem, acarretariam a necessidade do controle de capitais e da estatização dos principais bancos, ou seja, políticas ainda menos toleráveis para os aproveitadores dessa estrutura. 

19. Assim, o governo que empreendesse tais políticas, seria desestabilizado e derrubado antes de promover a indispensável passagem do controle da indústria para capitais nacionais, privados e públicos. 

20. Se a indústria não for realmente nacional, jamais terá chance de ser competitiva. O mesmo se aplica à infra-estrutura econômica (energia, transportes e comunicações) e à social (saúde, educação e cultura). Há que desmercadorizar os serviços públicos e eliminar as agências "reguladoras", devolvendo o poder delas ao Estado. 

21. Também importante para o Estado recuperar funções perdidas com o modelo do "consenso de Washington" é a total reformulação da administração pública, generalizando-se os concursos públicos, a formação de técnicos e administradores, e instituindo a aferição de desempenho, com possibilidade de demissão, seleção de quadros desde a escola primária etc. 

22. Voltando a Guimarães: "Segundo Antônio Barros de Castro …não se trata hoje de superar um hiato em relação a concorrentes que evoluíam lentamente em termos tecnológicos e de produtividade. Para ele, esta premissa não existe mais, e os concorrentes do Brasil, notadamente a China, 'ainda estão alcançando novos patamares de produtividade e aumentando o esforço tecnológico para acelerar sua eficiência.' A China teria superado a fase de "made in China" para outra de "created in China". 

23. Ora, como assinalei no artigo "Tecnologia e Desenvolvimento" , publicado em maio, é incrível que até os economistas que não se restringem a discutir política macroeconômica, conclamem para a necessidade de inovação tecnológica sem reconhecerem a impossibilidade dela num país cujos mercados estão sob controle praticamente total de empresas transnacionais. 

24. Em artigo próximo tentarei resumir a avassaladora ocupação da economia brasileira, a qual prossegue em tal velocidade, que a empresa nacional é, cada vez mais, espécie em extinção.
 

25. De novo, Guimarães: "Castro acredita que o Brasil, de início, deve ganhar tempo até induzir as grandes transformações, garantindo superávits no balanço de pagamento por 10 ou 15 anos com petróleo e matérias-primas agrícolas, além da expansão do mercado interno 'colocando areia para limitar a ocupação do mercado interno por importações …'." 

26. Isso seria, na realidade, perder tempo. E o Brasil já se atrasou demasiado nos últimos 58 anos! Proteção para a indústria, na atual estrutura, só favorece as transnacionais e eleva os incalculáveis prejuízos que vêm causando ao País. 

27. De resto, enquanto se dilapidam os recursos naturais através das exportações primárias, as receitas são usadas para pagar por serviços superfaturados e fictícios, às matrizes das transnacionais, e para importar bens de alto valor agregado e insumos grandemente superfaturados. Nem se fica sabendo o que valem as matérias-primas exportadas, nem o balanço de pagamentos se equilibra sem endividamento. 

28. Isso implica fomentar a estrutura econômica atrasada, como a da Venezuela, por mais de um século, antes de Chávez:   exportar quantidades fabulosas de petróleo e ficar com a estrutura econômica mais primitiva da América do Sul, para gáudio do império anglo-americano. 

29. Com governos acomodados às imposições do império, até por carecerem de consciência nacional, as transnacionais estão ocupando até os espaços recomendados por Barros de Castro e seguidores, como a agro-indústria do etanol e a química baseada na energia vegetal. Note-se que nem falam dos óleos vegetais, como o dendê , capaz de produzir mais óleo – melhor que o de petróleo – do que a Arábia Saudita. 
16/Julho/2012
[*] Doutor em Economia, autor de "Globalização versus Desenvolvimento", abenayon.df@gmail.com

O original encontra-se em 
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/por-que-o-brasil-se-atrasa.html 

Este artigo encontra-se em 
http://resistir.info/ . 

Brasil: O vício rentista do grande empresariado - Emir Sader


6/8/12

O governo criou as melhores condições possíveis, no marco atual de pressões recessivas internacionais, para que aumentem os investimentos – diminuição significativa da taxa de juros, desvalorização do real, retirada de impostos -, mas a reação do grande empresariado é quase nenhuma. Antes criticavam o governo quando a taxa de juros era mantida, quando o dólar estava muito desvalorizado. Quando o governo atende a essas reivindicações, as entidades empresariais simplesmente se calam e se somam ao coro aziago da diminuição do crescimento economico.

É um grande empresariado acostumado ao modelo anterior, baseado na exportação, no consumo de luxo e na especulação. Acostumado com a super-exploracao do trabalho, com modelos econômicos voltados para atender as necessidades de um terço da população.

O modelo neoliberal promoveu a hegemonia do capital financeiro, sob sua forma especulativa. Não a que financia a produção, o consumo, a pesquisa, mas a que vive da compra e venda de papeis, a que não cria nem bens, nem empregos.

Quando desregulamentou a economia, ao invés de ser retomado um ciclo expansivo da produção, houve uma brutal transferência, em escala mundial, de capitais do setor produtivo para o especulativo. Porque o capital nao está feito para produzir, mas para acumular. A desregulamentação deixou o capital livre para buscar os maiores lucros possíveis. Encontrou na especulação financeira, onde ganha mais, com menos impostos e liquidez total, o destino privilegiado dos seus investimentos.

Não existem os empresários produtivos e os especulativos. Todo grande grupo economico tem um ramo especulativo que, atualmente, via de regra, é o que gera mais lucros.

Quem garante o financiamento aos programas sociais do governo são os bancos públicos. Quem injeta dinheiro na economia, de diferentes maneiras, é o governo.

Temos uma burguesia rentista, que vive da especulação, que resiste à reconversão do modelo de hegemonia do capital financeiro a um modelo produtivo. O governo tem que agir cada vez mais na direção do condicionamento dos créditos, das isenções, de toda forma de favorecimento do capital privado, com contrapartidas estritas em termos de produção e de geração de empregos, com um peso cada vez maior do Estado, para não depender do ânimo e do espiríto especulativo de grandes setores do empresariado privado.

O lugar do Brasil no mundo - Nildo Ouriques


A burguesia brasileira não possui projeto nacional. O brado do ex-presidente Fernando Henrique – “exportar ou morrer” – numa imitação barata e descontextualizada da consigna de Churchill, revela a tendência à economia exportadora que o Brasil dependente e subdesenvolvido deve impulsionar.

18/8/10
Emir Sader acredita que “o Brasil mudou seu lugar no mundo”. Injusto dizer que tamanho otimismo é atributo de apenas uma parte importante da intelectualidade brasileira que aderiu ao governo Lula sem inibições. Na verdade, a ideologia de que o Brasil mudou seu lugar no mundo tornou-se bastante estendida e é compartilhado tanto pelo governo quanto por parte considerável da oposição. Diplomatas, jornalistas, professores universitários, sindicalistas e políticos profissionais, aceitam sem reparos sua inclusão no batalhão do orgulho nacional renovado. Muitos intelectuais com tradição na esquerda aceitam a hipótese sem restrições e inclusive setores mais à direita reconhecem – mesmo contrariados – esta suposta nova posição do país nas “relações internacionais”.

A suposição de que o Brasil “mudou sua posição no mundo” é uma ideologia que, como tal, possui certa correspondência com a realidade objetiva. De fato existem condições para que ela se estabeleça entre nós: em última instância e por mais contraditório que pareça, a suposta “nova posição” do Brasil no mundo é produto do aprofundamento da dependência e do subdesenvolvimento, a característica principal de nossa formação social.
 

Esta súbita exibição do orgulho nacional no período recente é uma conseqüência necessária da última onda expansiva da economia mundial que consagrou o lugar de países como o Brasil no sistema capitalista. Mas é preciso deixar claro: a despeito das aparências, o lugar reservado para o Brasil é aquele que tradicionalmente nos reservam os amos da humanidade: a periferia do sistema. A propósito, é preciso dizer que nenhum analista, mesmo o mais otimista, se atreve a dizer que o país deixou de ser subdesenvolvido ou dependente; é verdade que certas linhas de interpretação nos reservam o cômodo lugar de país semi-periférico, conceito que evita problemas tanto à esquerda quanto à direita, mas sobretudo, evita o reconhecimento de que o “desenvolvimento do subdesenvolvimento” opera com lógica implacável.

A economia mundial cresceu de maneira vertiginosa até setembro de 2008, momento em que o sistema bancário faliu e importantes multinacionais do setor produtivo foram a bancarrota nos Estados Unidos e também na Europa. Antes desta data, a expansão da acumulação mundial favoreceu enormemente a acumulação de capital das economias periféricas, especialmente em alguns países que possuem abundantes recursos naturais e que haviam logrado certa especialização na produção de alimentos. Não há que negar evidências: de fato, para alguns países – o Brasil entre estes – as taxas de crescimento do produto eram expressivas, especialmente quando comparada com o ritmo exibido pelos países centrais; mas também a China, Índia, a África do Sul, a Rússia, para dar apenas alguns exemplos, revelaram indicadores que confirmavam a existência de uma fase expansiva que muitos julgaram sem precedentes. Os “benefícios” da conjuntura também alcançaram alguns países africanos e asiáticos que jamais foram considerados “estratégicos” na disputa pela hegemonia mundial, não sem graves conseqüências para seu futuro econômico e político.

As condições mundiais
Em certa medida era compreensível o entusiasmo na periferia capitalista com a fase expansiva da acumulação mundial. O período imediatamente anterior – décadas de oitenta e noventa – foram caracterizados pela CEPAL como “décadas perdidas” em referencia as baixíssimas (e acidentadas) taxas de crescimento do produto, com o correlato necessário de baixos salários e elevado desemprego, endividamento estatal, privatizações e internacionalização de muitas empresas das economias periféricas.
 

Para os trabalhadores, o período não poderia ter sido pior. Não somente porque as taxas de crescimento do PIB eram baixas, a formação bruta de capital fixo se mantinha estagnada e, via de regra, a taxa de desemprego era elevada; este período foi também – e talvez especialmente – marcado pela supressão de direitos trabalhistas importantes, fruto de conquistas históricas das classes subalternas. Quando estes direitos não foram simplesmente suprimidos, os trabalhadores também sentiram a deterioração dos serviços de saúde e da educação pública, sofreram com o aumento do tempo para aposentadoria, suportaram calados o aumento do grau de exploração da força de trabalho, medidas que foram impostas violentamente pelos capitalistas com apoio decisivo tanto de governos conservadores quanto de governos generosamente considerados “progressistas”. Também neste período, o caráter classista do estado, especialmente na periferia do sistema capitalista, revelou-se sem ambigüidades e muitas reivindicações conquistadas no árduo combate classista desapareceram com a mesma velocidade com que um sorvete derrete sob o sol no verão nos trópicos. Diante de tão adversa correlação de forças, os sindicatos mais fortes e organizados conseguiram a duras penas resistir, logrando, em poucos casos, algumas vitórias importantes. No entanto, esta será sempre uma época marcada por derrotas históricas dos trabalhadores, não apenas nas condições de trabalho mas sobretudo em termos de organização política e consciência crítica. Em poucas palavras: será um tempo marcado pela renuncia a luta pelo socialismo e no qual todo esforço dos trabalhadores se resumiu a sua reprodução como força de trabalho. Um período que poderíamos definir como de contra-revolução em escala global.

Após as primeiras turbulências da economia mundial em 2001-2, as condições melhoraram e os signos de que a acumulação retomava seu ciclo expansivo apareceram. Além da baixa nos salários, a desorientação sindical ajudou enormemente o ciclo de acumulação, da mesma maneira que a chamada “abertura” das economias nacionais – ou seja, a plena vigência da lei do valor em escala global – permitiu ao capital o acesso ilimitado a matérias primas. Estas condições, sempre necessárias para o processo de acumulação, vingaram até o grande colapso de setembro de 2008 quando a crise capitalista global derrubou os postulados que sustentam a neoclássica como teoria e o “neoliberalismo” como modalidade de política econômica. Mas a demanda por alimentos e matérias primas permaneceu como uma espécie de herança “positiva” daquele período expansivo, entre outras razões porque o grau de urbanização do mundo capitalista, a força da retomada produtiva das empresas multinacionais e o impulso de economias periféricas como a Índia e a China, seguiram exigindo mais alimentos e matérias primas. O paradoxo – aparente, como veremos – consiste em que, no Brasil, a onda expansiva da acumulação mundial restringiu claramente a possibilidade de “completar” o processo de industrialização, eterna reivindicação de economistas liberais-progressistas como Celso Furtado.

O “exito” do governo Lula, cujos números impedem a crítica convencional dos principais partidos de oposição (PSDB-DEM) precisamente no terreno em que se consideravam imbatíveis, produziu, o fenômeno que a imprensa chama de “desindustrialização”. Ao contrário do que se poderia supor, a chamada “desindustrialização” não é exclusivamente resultado dos erros de política econômica mas produto do protecionismo dos países centrais, da imensa força da revolução científico-técnica que ali se verifica e da elevação dos preços das matérias primas e produtos agrícolas. O exemplo mais significativo é o preço da soja – que tanto enriqueceu quanto fortaleceu o latifúndio no país – mas não é, certamente, o único produto. Em relação a 2005, “o aumento dos preços acumulados até abril de 2008, para o conjunto dos produtos básicos no mercado internacional foi aproximadamente de 65%”, indica estudo recente
 (1); na mesma direção, os preços dos metais cresceram 81% e os combustíveis 79%. O período corresponde precisamente ao início do segundo mandado do presidente Lula e a tendência favorável aos preços destes produtos ainda não sofreu um abalo significativo, mesmo após setembro de 2008. Os efeitos para o Brasil são mais que evidentes, mas não deveríamos nos deixar levar pelo otimismo ingênuo que atualmente a classe dominante promove, pois a origem dos sucessivos superávits comerciais revela um segredo que poucos estão dispostos a tratar: segundo o IEDI, entre 1980 e 2007, “a participação do setor industrial no valor adicionado total da economia brasileira recuou 6,2 pontos percentuais” (2). Esta tendência foi acentuada no período recente, pós setembro de 2008, como indica outro estudo do mesmo Instituto (3). No que se refere ao balanço de pagamentos, há muito tempo se sabe que a origem do “superávit comercial” se produzia a partir da exportação de produtos agrícolas e minerais, amargando imenso déficit na área de eletro-eletrônico, fármacos, química, equipamentos mecânicos, etc. No ano passado este déficit quase alcançou 44 bilhões de dólares e certamente crescerá ainda mais em 2010!

A economia política das relações internacionais
Neste contexto, as exigências para a diplomacia brasileira não foram desprezíveis. A transição entre a antiga subserviência do Itamaraty – com vitalidade até FHC – e a nova linha inaugurada por Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães – no governo Lula – não pode ser entendida sem a análise crítica da economia política que orienta o desenvolvimento capitalista no Brasil desde 1994, ou seja, desde o estabelecimento do pacto de classe que sustenta o Plano Real. Por isso, o ativismo diplomático do atual governo na África, o protagonismo no Haiti (Caribe) e Honduras (América Central), como também o interesse real pela integração econômica latino-americana (América do Sul) anda par e passo com as iniciativas de empresas brasileiras que exploram as oportunidades abertas pela expansão conjuntural da economia mundial e o reforço da posição do Brasil na clássica divisão internacional de trabalho. Não se trata de uma mudança destituída de interesse, razão pela qual não compartilho da opinião que concluiu pela identidade completa entre FHC e Lula, como se ambos representassem simplesmente o mesmo projeto. Tampouco seria adequado concluir que estamos diante de uma “nova posição do Brasil no mundo”, pois as correntes que atam nosso país ao subdesenvolvimento e a dependência não são débeis ao ponto de serem suprimidas no curto tempo de dois governos. As forças que geraram o alinhamento automático da diplomacia brasileira às diretrizes de Washington não foram suprimidas e não poderão ocorrer enquanto o estado brasileiro for expressão do domínio da classe dominante nacional e internacional. O pacto de classe que sustenta a acumulação de capital desde 1994 exigiu um novo papel para a diplomacia brasileira, em que ela teria que ampliar, necessariamente, o estreito grau de autonomia que caracteriza sua atuação histórica. Contudo, observar neste movimento real uma independência quase completa que somente processos revolucionários podem de alguma maneira garantir, é simplesmente reforçar a apologia de setores da classe dominante sobre as possibilidades do Brasil no mundo.

Portanto, é esta dinâmica da acumulação mundial que permitiu o aprofundamento da dependência e, contraditoriamente, certa renuncia às ilusões desenvolvimentistas. Esta é a base objetiva do “orgulho nacional” que indica uma “nova posição do Brasil no mundo” e o elogio desmedido da diplomacia brasileira. A ampliação do grau de autonomia da política externa do governo Lula em relação ao imperialismo estadunidense é tão real quanto limitado. Mas é certamente incompreensível sem a análise da economia política que orienta a coalizão de classe que sustenta o governo Lula. Neste contexto, as conseqüências da política econômica considerada exitosa, não poderiam ser outras que a expansão da fronteira agrícola com sucessivos desastres ecológicos, crescente endividamento estatal e hegemonia do capital financeiro. A “superioridade” das antigas formulações de Celso Furtado reside no fato de que, como autentico liberal-progressista, sonhava com a conclusão da industrialização enquanto os atuais desenvolvimentistas já se dão por satisfeitos com o relativo – e passageiro – equilíbrio do balanço de pagamentos.

A consciência burguesa na periferia capitalista
A consciência burguesa em países periféricos não pode ser exuberante, razão pela qual o grito de alerta sobre o caráter perverso da modalidade de acumulação que sofremos se assemelha a lamento infantil. Enquanto a imprensa alerta para os efeitos supostamente indesejáveis da “desindustrialização”, organismos que expressam melhor os dramas da alma burguesa na periferia capitalista assinalam algo mais grave: a pauta de exportação do país implica em aprofundamento da “dependência tecnológica” em benefício exclusivo das empresas multinacionais. Contudo, os estudos do IEDI não podem tocar fundo no problema, pois algo mais grave acontece: como a burguesia utiliza o excedente econômico logrado neste período de prosperidade?

Um alerta sobre este problema foi feito – ainda que parcialmente – pelo IPEA, instituição de pesquisa do governo brasileiro. O estudo preliminar de Mansueto Almeida (4) indica que os vultuosos recursos do BNDES (aliás, com reforço do Tesouro Nacional) estão sendo utilizados para fortalecer ou formar grandes grupos empresariais privados na área de alimentos e recursos naturais. Ademais, o esforço da política industrial nacional, especialmente a partir de 2003, não rendeu resultados na direção de superar saldos comerciais negativos originados a partir de produtos de média e alta tecnologia; ao contrário, são precisamente os setores responsáveis pela drástica diminuição dos outrora mega-superávits comerciais. A expansão das empresas brasileiras no mercado mundial, ainda “baseia-se nos setores intensivos em recursos naturais e commodities”, afirma o relatório. Enfim, realidade bastante distante de um “novo lugar do Brasil no mundo”. Eu agregaria que os recursos do BNDES também foram utilizados para salvar grupos econômicos nacionais de suas aventuras na festa mundial dos derivativos cambiais que teve um nutrido capítulo nacional, obviamente “esquecido” pela imprensa. Grupos econômicos como Sadia, Votorantin, Aracruz, entre outros, sofreram perdas importantes nos negócios arriscados em que se envolveram e, como sempre, levaram a conta para o estado pagar. Não por acaso, após o resgate público do Banco Votorantim, Antonio Ermírio de Moraes, a patrono do grupo, abandonou sua coluna no jornal paulista onde, a conta gotas, alimentava a oposição. Transformar o vício burguês em virtude pública é um artifício tão velho e eficaz quanto os escritos de Mandeville.

Portanto, além de “salvar” grupos econômicos de suas aventuras com derivativos – o presidente do BNDES Luciano Coutinho havia proclamado inicialmente que a instituição não seria cemitério de empresas, embora mais tarde esqueceu o assunto – o excedente econômico tem sido utilizado de maneira desenvolta para consagrar a posição do Brasil no mundo como exportador de produtos agrícolas e minerais. Desde David Ricardo nada novo entre nós! Como vaticinou Engels em conhecido panfleto no ano de 1888, a Europa quer consolidar a grande indústria e uma imensa periferia agrícola em seu redor...

Conclusão
Neste contexto, impossível descolar o ativismo diplomático brasileiro recente da economia política que lhe sustenta. A direita política – PSDB paulista no comando – critica a expansão da diplomacia em países que considera insignificantes, mas o latifundiário exportador de soja sorri e hipoteca seu apoio ao governo Lula com suculentos negócios no continente africano; de quebra, o governo pode ensaiar apoio as “multinacionais brasileiras” que se dedicam ao rentável negócio de atender a demanda mundial por alimentos e matérias primas colaborando com o desastre ecológico e produtivo da África. Algumas empresas brasileiras estão buscando “oportunidades” no Haití – especialmente têxteis – quanto na África – especialmente grãos – para exportar ao mercado mundial onde possuem vasta força de trabalho sob regime de super-exploração. Enquanto a conjuntura mundial permitir, será possível ostentar o orgulho ilusório de que finalmente estamos ocupando um “novo lugar no mundo” quando na verdade a política oficial reforça nosso velho assento na periferia sistêmica, destinado a ofertar matérias primas para as empresas multinacionais dos países metropolitanos elevarem sua taxa de lucro exatamente num período crítico da acumulação mundial. Seria surpreendente se fosse distinto, pois sabemos qual a vocação da burguesia brasileira quando o assunto é o destino do Brasil no mundo. A burguesia brasileira não possui projeto nacional! O brado do ex-presidente Fernando Henrique – “exportar ou morrer” – numa imitação barata e descontextualizada da consigna de Churchill de início dos anos 40, revela a tendência a economia exportadora que o Brasil dependente e subdesenvolvido deve impulsionar.

Este é o perigoso terreno em que o tucanato e o petismo coincidem. Possuem, como diz o jornalismo, a mesma “agenda”. O petismo leva grande vantagem na disputa, pois na tentativa de realizar o ideário socialdemocrata na periferia capitalista, conta com melhores condições: amplos setores sociais, especialmente os mais explorados, experimentaram em carne própria a “insensibilidade social” do governo FHC. A recente conversão do candidato José Serra ao programa Bolsa Família é demonstração de que entenderam – talvez tardiamente em termos eleitorais – que a maioria da população na cabe no projeto socialdemocrata sem programas permanentes de “compensação social”. Mas a crueldade tucana em relação à maioria explorada da população revela também muito mais que a crônica “insensibilidade social” da classe dominante brasileira; na verdade, revela os limites estreitos que toda tentativa reformista – petista ou tucana – de mudar “a posição do Brasil no mundo” encontrará se não enfrenta as amarras do subdesenvolvimento e da dependência que condena milhões a condição de miséria e exploração e o Brasil, como nação, ao triste papel de um gigante com pés de barro.

NOTAS

(1) IICA, junio de 2008.

(2) Análise IEDI, 21 de julho de 2010.

(3) IEDI. Seis meses de crise: o impacto na indústria segundo a intensidade tecnológica, junho de 2009.

(4) Almeida, Mansueto. Desafios da Real Política Industrial Brasileira no Século XXI, Textos para Discussão, n. 1452, IPEA, Brasília, dezembro 2009.


Professor do Departamento de Economia da UFSC.

Brasil: Desindustrialização e Desnacionalização - Samuel Pinheiro Guimarães


O Brasil corre o risco de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para o Brasil e para a integração sulamericana. 

  - Especial para Carta Maior
20/7/12


1. A desindustrialização e a desnacionalização têm forte impacto sobre o desenvolvimento econômico e social brasileiro em geral e sobre temas como emprego e salários, violência urbana, tráfico e consumo de drogas e saúde da população. 

2. A desindustrialização e a desnacionalização têm graves consequências para a integração sul-americana, a partir de sua base necessária que é o Mercosul, para a posição do Brasil no mundo e, em consequência, para sua política externa.

3. Um país com uma indústria atrasada e não-integrada é um país fraco econômica e politicamente; um país com sua economia desnacionalizada é um país com menor capacidade de fazer política econômica e de fazer política externa.
 

4. Algumas causas da desindustrialização são uma política cambial e monetária que resulta, na prática, na valorização do real que estimula as importações e prejudica as exportações; uma política comercial que não combate com firmeza o dumping de produtos importados, o baixíssimo preço e o subfaturamento das importações; a ausência de políticas firmes de conteúdo nacional em áreas estratégicas como motores. A questão da competitividade (sistema de transportes, educação, tributos, etc) como causa da desindustrialização é complexa, suas soluções são de longo prazo e, ainda que importantes, não evitariam o perigo que se corre, que é atual, urgente.

5. A crise internacional e as relações comerciais com a China têm profundo impacto sobre a desindustrialização da economia brasileira. De um lado, a concorrência dos produtos chineses de baixíssimo preço afeta não só as unidades produtivas instaladas como a possibilidade de instalação de novas unidades. De outro lado, a forte demanda chinesa por produtos primários torna os investimentos a agricultura e na mineração mais lucrativos e, ademais, sujeitos a menor competição quando comparados à indústria. A crise nas economias européia e americana afeta as exportações brasileiras para a Europa (e, portanto, a lucratividade das empresas) enquanto se reduz o comércio intra-firma de manufaturados com os Estados Unidos, que corresponde a parte importante da pauta de exportação.

6. A desindustrialização da economia pode ser aferida pela redução do valor relativo da produção da indústria como um todo ou de setores industriais específicos ou pelo aumento do percentual das importações no valor total do consumo interno de um bem industrial ou da indústria em seu conjunto.

7. Os argumentos que procuram demonstrar a existência de um processo de desindustrialização através dos índices de redução da participação dos produtos industriais na pauta de exportações ou de déficit comercial por setores não são suficientes. A redução da participação percentual dos produtos industriais na pauta pode resultar ou de aumento de preços internacionais dos produtos primários ou do aumento do seu volume exportado, sem que haja redução do valor ou do volume das exportações industriais que podem, inclusive, ter aumentado.

8. As causas da desnacionalização são a ausência de políticas de preferência pelo capital nacional, diferindo da situação dos países desenvolvidos e dos outros Brics que possuem políticas, principalmente em áreas de tecnologia sensível, que tem como beneficiárias exclusivas empresas de capital nacional; de uma política firme de compras governamentais (e.g. na área de computadores); de preferência ao capital nacional nos financiamentos com recursos públicos, recursos inclusive dos trabalhadores, como é o do BNDES.
 

9. A desnacionalização da economia ocorre quando se verifica uma participação percentual crescente de empresas estrangeiras na produção de determinado bem ou serviço específico, ou do setor industrial e de serviços como um todo ou na produção de outros setores, tais como na agricultura e na mineração.

10. 85% da população brasileira é urbana. Nas cidades, o emprego é necessariamente na indústria ou em serviços. Nas cidades não há agricultura, nem pecuária, nem mineração e, portanto, não há emprego nesses setores que possa ser urbano. Os próprios empregos nos serviços urbanos são profundamente vinculados à atividade industrial.

11. O desenvolvimento brasileiro significa o aproveitamento cada vez mais eficiente de seus recursos naturais, de sua mão-de-obra e de seu capital, o que depende da expansão e da integração física de seu mercado interno. A desindustrialização e a desnacionalização da economia tornam difícil este aproveitamento eficiente e, portanto, o desenvolvimento do país. Em situações de desindustrialização ou desnacionalização, o desenvolvimento, medido em termos de aumento do PIB, pode até ocorrer, mas a uma taxa inferior à que seria necessária para superar a situação de subdesenvolvimento e de pobreza em que ainda vivemos.

12. O desenvolvimento eficiente dos recursos do solo e do subsolo, através da melhor organização da agropecuária e da mineração, depende da utilização crescente de máquinas, equipamentos e veículos que são, necessariamente, ou produzidos pela indústria no país ou importados. Nenhuma colheitadeira é produzida numa fazenda, nenhuma máquina perfuradora é produzida em uma mina.

13. O desenvolvimento industrial eficiente significa a integração da cadeia produtiva, o que significa produzir no país todos os componentes ou insumos de um produto final, sempre que haja escala atual ou potencial para isto, ou pelo menos a maior parte dos componentes e, em especial, os mais estratégicos. Digo potencial, pois quando a Embraer foi criada, por exemplo, não havia escala nacional para a produção de aviões.

14. O desenvolvimento eficiente da mão-de-obra significa o aumento da capacidade produtiva do trabalho em relação à mesma unidade de capital. O aumento da produtividade do trabalho em decorrência da utilização de unidades de capital, de equipamentos, mais eficientes significa aumento da produtividade do capital e não do trabalho. O aumento de produtividade do trabalho se verifica pela capacitação técnica da mão de obra, a qual, com a mesma unidade de capital com as mesmas características técnicas, passa a produzir mais.

15. A desindustrialização significa a redução da possibilidade de aumento da produtividade da mão de obra em geral. Primeiro, porque a indústria é a atividade de maior produtividade, onde a produtividade mais cresce e de onde nasce a maioria das inovações que irão aumentar a produtividade nos outros setores. Em segundo lugar, porque a desindustrialização reduz a integração das cadeias produtivas e assim as possibilidades de aprendizado que decorrem da instalação e da operação de novas unidades de produção para preencher “lacunas” nas cadeias produtivas.

16. A desindustrialização corresponde também à perda de emprego potencial, já que o emprego utilizado para produzir os bens importados pelo Brasil ocorre em outro país, o emprego é gerado em outro país.

17. Tendo em vista o grande estoque de mão-de-obra desempregada e subempregada que existe no Brasil e sua residência nas cidades, a menor expansão do emprego decorrente da desindustrialização da economia contribui para maiores índices de criminalidade, de tráfico e consumo de drogas, de incidência de doenças e para maiores despesas do Estado com segurança e saúde.

18. A desnacionalização tem consequências importantes para o desenvolvimento tecnológico, para o grau de concorrência no mercado brasileiro e para o balanço de pagamentos do país.

19. O impacto da desnacionalização sobre o desenvolvimento e a capacidade tecnológica, que significa a capacidade de transformar conhecimento em patentes e em investimentos produtivos, decorre do fato de que as empresas estrangeiras que adquirem empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais. Estas megaempresas já têm centros de pesquisa no exterior, em especial nos países de sua sede, o que leva muitas vezes ao fechamento dos laboratórios de pesquisa que existiam nas empresas por elas adquiridas no Brasil.

20. As empresas que desnacionalizam empresas brasileiras são, em geral, megaempresas multinacionais com muito maior capacidade financeira e, portanto, têm maior capacidade de concorrer no mercado, de adquirir concorrentes e de oligopolizar ou monopolizar mercados. Este “controle” do mercado resulta em lucros maiores e lucros maiores de empresas multinacionais significa remessas maiores para o exterior e redução da formação de capital no Brasil, isto é, da expansão da capacidade produtiva no Brasil, do desenvolvimento eficiente do capital.

21. A desnacionalização leva à desindustrialização. Muitas vezes as empresas multinacionais adquirem empresas no Brasil e integram a produção desta empresa na cadeia produtiva geral da empresa o que pode dificultar a instalação de empresas supridoras no território brasileiro ou mesmo levar ao desaparecimento das que existiam antes da aquisição.
 

22. O Brasil corre o risco simultâneo de uma especialização regressiva na produção agropecuária e de minérios, acompanhada de uma contração do setor industrial e de atrofia de sua capacidade tecnológica de desenvolvimento, e de vir, assim, a se tornar uma mera plataforma de produção e de exportação das megaempresas multinacionais, inerme objeto de suas estratégias globais.