lunes, 21 de mayo de 2012

A América do Sul em 2022 - Samuel Pinheiro Guimarães *



 As características da América do Sul – grande riqueza mineral e energética; grandes extensões de terras aráveis não utilizadas; população cada vez mais urbana em processo de estabilização demográfica; regimes políticos estáveis; inexistência e distância geográfica de áreas de conflitos intensos – tenderão a condicionar o papel da América do Sul em um cenário político mundial em que a disputa pelo acesso a recursos naturais e a alimentos será fundamental. em 2022, quer se queira ou não, devido a razões econômicas, políticas e sociais, o Brasil se encontrará inserido na América do Sul de forma muito mais intensa, complexa e profunda, tanto política quanto economicamente, do que se encontra hoje.



1. A América do Sul é a nossa região, onde nos encontramos e de onde jamais sairemos. O futuro do Brasil depende da América do Sul e o futuro da América do Sul depende do Brasil.

2. A América do Sul é um arquipélago de sociedades e economias separadas pela distância, por obstáculos geográficos e pela herança das políticas coloniais que as isolavam cada uma das demais e que as vinculavam exclusivamente a suas metrópoles, Madri e Lisboa. A histórica e geográfica dificuldade de contatos permanece até hoje, entre os sistemas de transportes, de energia e de comunicações dos distintos países, já de si pouco integrados nacionalmente, levou a um fluxo, que ainda é reduzido, de comércio, de investimentos, de pessoas e de cultura. A dificuldade de contatos entre os países contribuiu, juntamente com as características de seu desenvolvimento e de sua inserção na economia mundial, para fazer da América do Sul esse arquipélago de sociedades subdesenvolvidas, com elevadíssima concentração de renda, com índices sociais deploráveis, muitas delas primário-exportadoras, tecnologicamente dependentes, militarmente fracas.

3. A América do Sul é um continente rico ao extremo em recursos naturais, tanto em seu solo como em seu subsolo, distribuídos de forma desigual entre os países que a integram. Países de enorme capacidade agrícola ao lado de países importadores de alimentos. Países riquíssimos em energia ao lado de países sufocados pela sua falta. Países de razoável industrialização e outros voltados para a agricultura e a mineração. Países de reduzida dimensão territorial ao lado de outros de grande extensão.

4. As reservas de minérios, as fontes de energia, as terras aráveis, a água, a biodiversidade, constituem um enorme potencial, aproveitado de forma incompleta e muitas vezes predatória. Não foi e não está ele organizado para atender estruturas produtivas avançadas e grandes mercados internos mas, sim, para suprir a demanda de mercados tradicionais, que se originaram e se formaram desde os tempos do comércio colonial e que, hoje, assumem, por vezes, formas quase neocoloniais. Mesmo naqueles países mais avançados da América do Sul a economia se encontra organizada, em grande parte, para a produção e a exportação de produtos minerais e agrícolas, às vezes processados, e de semi-manufaturados, como se constata pela presença majoritária de produtos primários ou de baixa tecnologia na pauta de exportações de cada país.

5. Sobre essas riquezas do solo e do subsolo, em um território de 18 milhões de km2, vivem e trabalham 400 milhões de sul-americanos, em permanente mestiçagem, a partir de suas origens africanas, indígenas, européias e asiáticas, com toda sua pujante cultura, com sua unidade lingüística ibérica, valor extraordinário quando refletimos sobre o desafio que representam as vinte e três línguas da União Européia, os dezenove idiomas oficiais da Índia e as onze línguas da África do Sul. Os idiomas indígenas são falados por uma pequena parcela da população da América do Sul, ainda que, em certos países, sejam eles muito importantes por representarem a expressão viva de culturas e de valores de civilizações distintas daquelas implantadas e mantidas, pela força, pelos colonizadores europeus e seus descendentes.

6. A religião predominante, em especial nos países sul-americanos hispânicos, e em suas classes mais altas, é o catolicismo, enquanto avança com grande rapidez, a influência das igrejas evangélicas nas camadas mais pobres da população e, mais recentemente, nas classes médias, em especial no Brasil. A aprovação, há poucos anos, em muitos países da região de legislação sobre o divórcio e a longa sobrevivência da vinculação entre a Igreja e o Estado revelam a importância social e política do catolicismo em quase todos os países.

7. A própria intensidade da miscigenação nas sociedades da América do Sul, fenômeno de que participam indígenas, afro-descendentes, euro-descendentes, árabes, judeus e asiáticos, torna hoje difícil a emergência de manifestações agressivas de racismo e de discriminação, assim como de conflitos de natureza religiosa mais aguda.

8. Os 400 milhões de sul-americanos se encontram predominantemente em cidades, em metrópoles grandes e médias, em cujas periferias grassam a pobreza, a mortalidade infantil, a violência, as drogas, a desintegração familiar, a subnutrição, o desemprego e o subemprego, as doenças e o analfabetismo. São essas populações, excluídas e pobres, que correspondem à enorme maioria da população de cada país, que fazem da América do Sul o continente mais desigual do planeta. A pobreza, o desemprego, os baixos salários e a violência provocam a emigração de grandes contingentes de sul-americanos que enfrentam dificuldades extremas em busca de oportunidades nos Estados Unidos e na Europa. Em contraposição às metrópoles e a suas periferias, se encontram os grandes vazios demográficos da Amazônia, dos Andes e da Patagônia onde populações dispersas têm difícil e escasso acesso a bens públicos de toda ordem, tais como hospitais, escolas, esgotos, luz e transporte.

Economia

9. Característica primeira das sociedades sul-americanas é o elevadíssimo grau de concentração de renda e de riqueza. Esta concentração pode ser medida pelo fato de que nos países da região, exclusive o Chile e o Uruguai, o número de habitantes abaixo da linha de pobreza se encontra entre 20% e 60% da população. Esses frios percentuais de concentração de renda e de riqueza correspondem a altos índices de desnutrição, de mortalidade infantil, de analfabetismo, e à ausência de saneamento, de capacitação profissional, que são a causa, mas também a conseqüência, de baixos níveis de renda per capita e de pequenos mercados para bens de maior complexidade.

10. Naqueles países sul-americanos não mineradores, a agricultura em geral se divide em quatro grandes setores: a agricultura familiar, muitas vezes de baixa produtividade, em pequenas propriedades, orientada para a subsistência e o mercado interno; a agricultura comercial em grande escala, mecanizada, voltada principalmente para o mercado internacional, e dividida em agricultura tropical e temperada; a pecuária bovina extensiva e a avicultura moderna.

11. A indústria se encontra distribuída de forma muito desigual entre os países da América do Sul. Este fato decorre, em parte, das diferentes dimensões de seus mercados internos e, em parte, da adoção de políticas comerciais neoliberais que dificultaram a emergência e sustentabilidade de processos nacionais de industrialização. Assim, em geral, os países sul-americanos não dispõem de siderurgia, metalurgia ou petroquímica significativas, e não dispõem de indústrias de bens de capital, fundamentais para um setor industrial que seja capaz de se expandir e absorver contingentes crescentes de mão de obra. Unidades de produção de bens de consumo leves e de manufaturas simples, como têxteis e calçados, são a característica de muitos desses parques industriais. A diversificação e a sofisticação competitiva da indústria e sua importância na economia de um país podem ser aferidas pela participação dos manufaturados no total das suas exportações. Na América do Sul, esta participação somente atinge valor superior a quinze por cento em quatro países. O baixo nível de consumo per capita de energia elétrica na região é um outro indicador importante do baixo nível de industrialização das economias nacionais e do reduzido consumo per capita de aparelhos eletrodomésticos.

12. Uma característica importante das economias sul-americanas é a pequena densidade e a ineficiência logística e energética dos sistemas de transporte que fazem com que as economias nacionais sejam pouco integradas e a produção se faça a custos elevados, fatos que, aliados à concentração de renda, contribuem para fazer pequeno e pouco dinâmico o mercado interno de cada país e para dificultar a exportação de manufaturados.

13. Em grande síntese, as estruturas econômicas nacionais da região se caracterizam por grandes complexos exportadores de minérios e de produtos agrícolas ao lado de setores industriais de pequena dimensão e de baixa eficiência, que se dedicam ao processamento de matérias primas locais para o mercado local, tais como têxteis e alimentos, com a exceção de situações específicas como a do Brasil e a da Argentina, que têm parques industriais amplos e complexos. Mas todos eles, dos menores aos maiores, ameaçados e atingidos periodicamente por políticas neoliberais de abertura comercial indiscriminada e radical, por políticas cambiais que utilizam as importações para controlar a inflação, e, agora, pela concorrência avassaladora da China que afeta a integração comercial regional.

Política

14. Sobre essa infraestrutura econômica e social, e com ela interagindo de forma intensa e inseparável, há uma superestrutura e uma dinâmica política, em que se entrechocam seis fenômenos: a hegemonia das elites tradicionais, os latentes ressentimentos históricos, a emergência política de movimentos indígenas, a difusa influência americana, as novas presenças espanhola e chinesa e as reiteradas tentativas de integração econômica e de coordenação política.

15. Até recentemente, ínfimas elites exerciam o controle dos sistemas políticos e econômicos nos países da América do Sul. O elevado grau de concentração de poder político e de controle do Estado se exercia, e ainda se exerce, através do sistema financeiro e da mídia, garantindo a apropriação por essas elites de grandes parcelas das rendas nacionais. Nos segmentos mais conservadores dessas elites existe uma tendência latente ao autoritarismo que emerge com força sempre que se sentem ameaçadas na posse e gozo de seus privilégios e na medida em que assistem (e resistem) à ascensão econômica e política das massas historicamente excluídas da população. Sempre que o controle do Estado (ou ainda que apenas de parte do Estado) lhes escapa, como vem ocorrendo em alguns países, sua reação é agressiva, procurando desqualificar os governos de origem popular através de campanhas midiáticas intensas, acusando-os de populistas, ineficientes, irresponsáveis, demagógicos e, afinal, autoritários.

16. Na dinâmica política da América do Sul os ressentimentos entre os Estados têm papel relevante. Sua origem se encontra em conflitos de um passado, às vezes remoto, às vezes recente, tais como a Guerra da Tríplice Aliança; os conflitos de formação dos Estados no Prata e da desintegração da Grã Colômbia; a Guerra do Pacífico; a Guerra do Chaco; e os conflitos entre Equador e Peru. Nas sociedades sul-americanas essas recordações do passado se encontram subjacentes à política interna e externa dos países e re-emergem diante de divergências do presente, aguçando-as e exacerbando-as. Esses ressentimentos e as assimetrias dificultam as iniciativas de integração comercial e ainda mais aquelas de integração econômica e de coordenação política na região.

17. A presença americana é um fator relevante na vida econômica, política, cultural e social da América do Sul. A América Latina e a América do Sul foram sempre consideradas zona de influência americana incontestável, tanto pelos Estados Unidos como pelas Grandes Potências de cada época. Esta é uma convicção arraigada na sociedade, no Estado, na academia e na política americana, desde que o Presidente James Monroe enunciou a Doutrina Monroe, em 1823.

18. Os Estados Unidos sempre pretenderam alinhar a América do Sul com suas políticas, primeiro quanto à Santa Aliança, depois em relação à influência inglesa e francesa e mais tarde na Guerra contra o Eixo. Esta zona de influência viria a receber uma estruturação política com a criação da OEA, em 1948. Ao longo da história, em especial a partir do início da liderança econômica mundial dos Estados Unidos após a Guerra de Secessão, as elites dos países sul-americanos sempre nutriram a esperança de, em troca de seu apoio político aos Estados Unidos, virem a se beneficiar do auxílio americano para o seu desenvolvimento, como ocorrera com os países europeus, inclusive inimigos, após a Segunda Guerra Mundial. A Revolução Cubana aguçou a política americana de enquadramento da América do Sul (e Latina) contra Cuba, o comunismo e o desafio à Doutrina Monroe, lançado pela União Soviética.

19. Do ângulo econômico, os Estados Unidos têm tido como um dos objetivos permanentes de sua política externa criar uma área de livre comércio das Américas. Em 1889, na I Conferência Internacional Americana, em Washington, os Estados Unidos apresentaram a proposta, que não foi aceita, de criação de uma área de livre comércio das Américas, que teria como moeda única o dólar. Em 1948, na IX Conferência Internacional Americana, que criou a OEA, foi apresentada proposta semelhante. Esta proposta de livre comércio seria retomada em diversas ocasiões e em especial pelos Presidentes Clinton e Bush.

20. Diante das dificuldades e da recusa dos principais países da América do Sul, Brasil e Argentina, em negociar a constituição de uma área de livre comércio nas condições desejadas pelos Estados Unidos, estes passaram a expandir a sua influência econômica na região através de acordos bilaterais de livre comércio, que já celebraram com o Chile, o Peru e a Colômbia. Esses acordos estabelecem limitações à execução de políticas de desenvolvimento em todas as áreas, desde os bens aos serviços, aos investimentos e à propriedade intelectual. Além de criar essas limitações, esses acordos de livre comércio têm, como uma de suas consequências, tornar impossível a formação de uma união aduaneira da América do Sul.

21. A presença americana é importante no comércio, nos investimentos, nas finanças, nos meios de comunicação e na identidade ideológica das elites tradicionais com os ideais econômicos, políticos e culturais norteamericanos. Em cada país da América do Sul a presença americana é mais intensa e forte do que a de qualquer outro país seja ele da região ou não. Permeando o ambiente social da região, há uma influência extraordinária da cultura americana, a qual se exerce através do cinema, da televisão e do rádio, meios de comunicação controlados por grandes empresas e que atingem todos os segmentos das sociedades sul-americanas.

22. Há duas crescentes presenças econômicas, e potencialmente políticas, na América do Sul: a espanhola e a chinesa. A influência espanhola se articula a partir da queda de Franco, da redemocratização e do ingresso da Espanha na União Européia. A queda de Franco extinguiu o estigma ditatorial do país, a redemocratização foi saudada como um modelo para a América Latina, e seu ingresso na União Européia lhe conferiu respeitabilidade e gerou o mito de que a Espanha seria uma porta de entrada da América Latina na Europa. As políticas de privatização criaram a oportunidade para grandes empresas espanholas se introduzirem nos mercados da América do Sul. Politicamente, a Espanha articulou o processo de criação da Iberoamérica, aproveitando as comemorações do Descobrimento e Conquista das Américas, a que chamou de Encontro de Civilizações. Sendo a Espanha um país de industrialização recente, sua influência na região, entretanto, em especial com a crise de 2008, não se tem expandido, inclusive pela sua incapacidade - por seu próprio peso na União Européia - em se tornar um porta voz eficaz das aspirações sul-americanas.

23. A presença chinesa é ainda incipiente e ocorre principalmente na área do comércio exterior, em que a China se afirma como destino de matérias primas sul-americanas e como origem de produtos manufaturados de baixo preço. Para muitos países da América do Sul, a China se tornou o primeiro ou segundo parceiro comercial. Esta presença chinesa tende a atingir de forma negativa os incipientes parques industriais da região, mesmo aqueles dos países mais industrializados, como o Brasil e a Argentina, que as normas da OMC dificultam proteger. Porém, as importações de produtos chineses de baixo preço tendem a ser consideradas importantes no combate à inflação, conduzido, por vezes, por administradores conservadores e os que os apóiam, especialmente os setores rentistas das sociedades. A presença das grandes empresas chinesas como investidoras já se expande rapidamente. A presença comercial, financeira e investidora da China na América do Sul certamente terá repercussões sobre a influência americana, política e econômica, na região.

24. Um derradeiro, mas importante, fenômeno no cenário político sul-americano é a emergência dos povos indígenas. As populações indígenas e as populações mestiças são especialmente importantes na Bolívia, no Peru, no Equador e no Paraguai, países nos quais, em conjunto, chegam a representar mais de setenta por cento da população. Essas populações indígenas e mestiças, vítimas de um longo e cruel passado de opressão, procuram reconstruir a sua identidade cultural e participar de forma cada vez mais intensa da política, onde os regimes democráticos lhes possibilita alcançar o poder. Este fenômeno indígena se concentra nos países andinos, tem especial impacto sobre as políticas de exploração de minérios e vem a influenciar a política interna e externa de todos os países da região.

A integração econômica e a coordenação política

25. A integração comercial, econômica e política da América do Sul e da América Latina tem sido um objetivo estratégico, ainda que muitas vezes utópico e retórico, a que se contrapôs, historicamente, a idéia do pan-americanismo e da integração continental.

26. Do ângulo político, as relações entre a América anglo-saxônica e a América Latina, em especial a América Central e o Caribe, foram, durante longo tempo, conflitivas e ressentidas, na medida em que a grande expansão territorial dos Estados Unidos se fez pela conquista de metade do território mexicano e em que a expansão de sua influência política levou à intervenção militar em países do Istmo, à criação da Zona do Canal, e à guerra com a Espanha, que resultou na ocupação de Cuba e na conquista de Porto Rico.

27. A extraordinária expansão econômica e política dos Estados Unidos provocou uma reflexão sobre o atraso relativo dos países da América Latina e do Sul.

28. Após a Segunda Guerra, estudos da Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL concluíram que as principais razões desse atraso relativo seriam a não-integração dos mercados e a não-industrialização. Demonstrou a CEPAL que a inserção tradicional das economias latino-americanas na economia (e na política) internacional não tinha propiciado o seu desenvolvimento. Seria necessário, assim, desenvolver políticas de integração física e comercial dos mercados latinoamericanos para permitir e estimular a sua industrialização.

29. A partir dessa idéia, muitas foram as iniciativas de integração. Em 1960, foi criada a Associação Latino Americana de Livre Comércio - ALALC que, em 1980, foi transformada em Associação Latino Americana de Integração - ALADI. A Comunidade Andina foi criada em 1968 e o Mercado Comum Centro Americano - MCCA em 1960. Mais tarde, em 1985, após a redemocratização na Argentina e no Brasil, iniciou-se o processo que levaria à criação do Mercosul em 1991. A criação de uma ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana) proposta pelo Brasil em 1994, tinha como objetivo a negociação de acordos entre o Mercosul e os países da CAN que permitissem construir uma área de livre comércio no continente. De outro lado, foram de importância pioneira as reuniões de Presidentes sul-americanos e a constituição da Iniciativa de Integração Regional Sul Americana - IIRSA, cujo objetivo era definir os grandes eixos de integração da infraestrutura.

30. Essas iniciativas de integração comercial dos países da América do Sul sempre foram dificultadas pela escassez de meios de transporte; pela competição entre suas exportações agrícolas e minerais; pelo baixo nível de industrialização, que limitava a pauta de produtos exportáveis; por políticas protecionistas; pela competição dos países já industrializados e, mais recentemente, pela ideologia e prática liberal de suas elites econômicas e políticas.

31. A esses esforços de integração no âmbito latino americano, vieram se sobrepor as iniciativas de integração continental. Em 1987, os Estados Unidos haviam celebrado um acordo de livre comércio com o Canadá e quando da renegociação deste acordo, em 1992, o México propôs uma negociação trilateral, que viria resultar no North America Free Trade Área, o Nafta, em 1994.

32. Este acordo teve grande importância para as negociações econômicas internacionais. Pela primeira vez um país subdesenvolvido importante negociava um acordo de livre comércio, abdicando da reivindicação de tratamento especial e diferenciado, i.e. aceitava negociar de igual para igual com parceiros desenvolvidos e muito mais poderosos. Esta drástica reorientação da política externa mexicana iria afetar o comportamento de muitos países subdesenvolvidos em suas negociações com os países desenvolvidos e iria afetar suas relações com os países sul-americanos.

33. Por outro lado, o ATPDEA (Andean Trade Promotion and Drug Eradication Act), aprovado pelo Congresso americano, concedia entrada livre de impostos para produtos dos países andinos no mercado americano em troca da execução de programas de erradicação das plantações de coca e de combate ao tráfico de drogas. Essa concessão americana, inicialmente por cinco anos, sem reciprocidade, criou em cada um dos países andinos fortes interesses comerciais no mercado americano. Ao final do prazo de vigência da lei, os Estados Unidos propuseram a negociação de acordos bilaterais de livre comércio, muito mais amplos devido à inclusão de muitos outros temas, com base no modelo do Nafta, agora, porém, com reciprocidade.

34. Na I Cúpula das Américas, em 1994, os Estados Unidos propuseram a negociação de uma Área de Livre Comércio das Américas que incluiria a livre circulação de bens; a liberalização dos serviços; a livre circulação de capitais financeiros e de investimentos diretos; a adoção de regras comuns sobre propriedade intelectual, mas que não previa o livre comércio para produtos agrícolas nem a livre circulação de pessoas.

35. Em 2004, a Venezuela lançou a ALBA – Aliança Bolivariana para a América, em contraposição à ALCA e que se propõe a celebração de acordos de comércio e de cooperação econômica entre os países que a constituem: Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Dominica, Antígua e Barbuda, Nicarágua, São Vicente e Granadinos.

36. O movimento bolivariano, cujo líder é a Venezuela, tem como um de seus objetivos rever as relações dos países sul-americanos, em especial os andinos, com os Estados Unidos, com base na diversificação de suas economias, na industrialização, em políticas de afirmação das populações indígenas. A este movimento, que corresponde a políticas mais firmes em relação às empresas multinacionais que se dedicam à exploração de recursos minerais, se opõem especialmente os países que celebraram acordos de livre comércio com os Estados Unidos, o que gera novas tensões na região.

Coordenação política

37. A coordenação política entre os países sul-americanos tem sua origem mais remota no Pacto do ABC, entre Brasil, Argentina e Chile, ao tempo do Barão do Rio Branco, renovado ao tempo de Getúlio Vargas e Perón. É preciso notar que os escassos laços físicos de transporte, a falta de ligações aéreas, o comércio reduzido e os ressentimentos históricos fizeram muito tênues, durante longo tempo, as relações entre os países da América do Sul, em especial entre os países andinos e ao Norte e os do Cone Sul e, portanto, débeis as possibilidades de coordenação.

38. Os conflitos e guerras civis na América Central fizeram surgir o Grupo de Contadora, formado por México, Venezuela, Colômbia e Panamá para propiciar as negociações de paz. Mais tarde, formou-se o Grupo de Apoio a Contadora, integrado por Brasil, Argentina, Uruguai e Peru. Esses oito países vieram a constituir o núcleo do futuro Grupo do Rio, até recentemente o principal mecanismo de coordenação política na América Latina e de que participavam os países da América do Sul.

39. A iniciativa mais recente de coordenação política entre os países da região é a UNASUL, União das Nações Sul-Americanas, cujo principal objetivo é a cooperação e a coordenação política. Foi criado um Conselho de Defesa e um Conselho sobre Drogas e a UNASUL demonstrou sua eficácia por ocasião da crise política interna da Bolívia. Mais recentemente, a Conferência de Chefes de Estado da América Latina e do Caribe viria a ser a primeira reunião, sem a participação de outros países, dos Presidentes latinoamericanos, um marco na história da coordenação política da América Latina.

Paradoxo

40. Um terrível, angustiante e desafiador paradoxo existe na América do Sul: um continente extremamente rico em recursos minerais, em energia, em potencial agrícola, em biodiversidade, em que se encontram sociedades que ostentam níveis extraordinários de pobreza e de exclusão, ao lado de riqueza excessiva e ostentatória.

41. Este paradoxo é um desafio. Suas causas históricas se encontram na natureza das relações entre as colônias, que se tornaram os países da América do Sul, e as metrópoles subdesenvolvidas, Portugal e Espanha, que ficaram praticamente à margem do Renascimento, do Iluminismo e da Revolução Industrial. Essas metrópoles chegaram a proibir, em benefício do monopólio comercial, os incipientes esforços de industrialização nas colônias, e organizaram os seus sistemas políticos e econômicos, com base no trabalho escravo ou servil, na mineração e no latifúndio agrícola para atender às metrópoles, e dificultaram, pela Inquisição, o progresso cultural e científico das sociedades coloniais. Os efeitos dessas relações coloniais se fazem sentir até hoje nos sistemas sociais, culturais, econômicos e políticos dos países da América do Sul.

42. As dificuldades que têm as sociedades da região em promover o desenvolvimento econômico decorrem, em grande medida, da fragilidade institucional e organizacional de seus Estados. Esta debilidade institucional tem sua causa profunda nas enormes disparidades de renda e de riqueza e na concentração de poder, o que faz com que os sistemas tributários sejam altamente regressivos, com base em impostos indiretos e aduaneiros, e de fraca incidência, o que, em muitos casos, redunda em pequena carga tributária em relação ao PIB. É importante notar que em alguns países da América do Sul só recentemente se introduziu o imposto sobre a renda. Assim, muitos Estados da região não dispõem de recursos suficientes para organizar e executar programas de construção de sua infraestrutura física e social, e de redistribuição de renda, indispensáveis para reduzir as disparidades extremas e para permitir o desenvolvimento de mercados modernos.

43. Enquanto os Estados têm escassos recursos para construir as bases do desenvolvimento econômico, o capital privado se mostra desinteressado diante da precária infraestrutura física, dos mercados reduzidos e da instabilidade social, sempre latente devido às excessivas disparidades de renda e de riqueza, e do permanente receio da ascensão política, na democracia, de movimentos populares e, portanto, ansiosos em rever as estruturas tradicionais de arrecadação e de alocação de recursos. As condições sociais e políticas instáveis estimulam os fluxos de capital privado para o exterior, em volumes extraordinários, que reduzem a poupança interna para investimento. No campo político, as grandes disparidades sociais que existem em todos os países fazem com que, em regimes democráticos, candidatos populares venham a ser eleitos ou que candidatos conservadores tenham de anunciar, em seus programas, promessas de políticas sociais importantes. Nas Assembléias Legislativas, as classes tradicionais são capazes de se fazer representar de forma mais numerosa, o que leva a permanentes tensões políticas com os Executivos e a sérias dificuldades para aprovar a legislação, programas e recursos necessários à implementação de programas sociais amplos e vigorosos.

O Brasil e a América do Sul

44. A principal característica geopolítica da América do Sul são as extraordinárias assimetrias que existem entre os doze Estados da região. Essas assimetrias são especialmente significativas entre o Brasil e cada um dos Estados sul-americanos em termos de território, de população e de atividade produtiva. O Brasil tem 50% do território da América do Sul; 50% de sua população; 50% do PIB regional; 50% do seu potencial hidrelétrico; mas também 50% dos analfabetos e 50% da população abaixo da linha de pobreza.

45. O grande desafio para a América do Sul e para o Brasil será a superação das assimetrias entre os Estados da região, promovendo o desenvolvimento daqueles mais atrasados para tornar a região uma grande área econômica, dinâmica e inovadora. Esta assimetria entre os Estados decorre em parte da assimetria territorial, em parte da assimetria demográfica e, em parte, da assimetria crescente entre as economias dos países da região, em termos de dimensão, de diversificação, de sofisticação e de integração.

46. A assimetria territorial faz com que o Brasil, por ter um território bem maior do que os territórios de cada um dos demais países, tenha uma gama mais ampla de recursos do solo e do subsolo e que, assim, tenha a possibilidade de produzir, em seu território, muitos daqueles bens minerais e agrícolas que são produzidos e exportados pelos países vizinhos. O Brasil, inclusive devido a razões de escala, pode produzir competitivamente tais produtos e muitas vezes, quando não o consegue, surgem no Brasil pressões protecionistas dos setores menos competitivos que solicitam medidas para dificultar sua importação dos países vizinhos.

47. A assimetria demográfica decorre de ter o Brasil metade da população da América do Sul e de ter mais de quatro vezes a população do segundo país, em habitantes, da região. Esta maior população permite ao Brasil, em comparação com os demais países da região, ter um maior mercado interno, diversificar mais sua estrutura produtiva, atrair mais investimentos estrangeiros e ser menos vulnerável a flutuações externas fora de seu controle.

48. O nível de desenvolvimento mais elevado alcançado pelo Brasil expressa a capacidade da sociedade brasileira - de seus trabalhadores, empresários, executivos, profissionais, militares, intelectuais, administradores e políticos - de construir uma estrutura jurídica, administrativa e tributária capaz de organizar a produção e a desenvolver, com razoável sucesso, os recursos do país. Porém, se a sociedade brasileira, por um lado, é aquela que atingiu o nível mais elevado de desenvolvimento e a que apresenta maior potencial entre os Estados da América do Sul, é o Brasil, por outro lado, um dos países da região que apresenta níveis mais elevados de disparidade social.

49. A pauta de exportação de um país é um retrato de sua estrutura produtiva, daquilo que ele consegue produzir competitivamente. Em 1960, todos os países da região tinham sua pauta de exportação dominada por três produtos primários que correspondiam a mais de 70% das exportações de cada país. De 1960 a 2010 houve considerável diversificação das pautas exportadoras de todos os países, mas este fenômeno foi mais intenso no Brasil. Hoje, os três principais produtos brasileiros de exportação somam 20%. No país em melhor situação após o Brasil os três principais produtos correspondem a 40% da pauta.

50. Esta assimetria tem duas conseqüências de grande importância econômica e política. De um lado, o comércio de cada um dos países com o Brasil tende a ser cronicamente desequilibrado, devido à oferta muito maior de produtos de parte do Brasil e à dificuldade desses países de exportar para o Brasil. Em segundo lugar, as dimensões maiores da economia brasileira fizeram surgir empresas de maior dimensão, quando comparadas às empresas dos países vizinhos. Essas empresas brasileiras, muito competitivas em sua expansão natural para o exterior, se dirigem primeiro aos países vizinhos, fazendo novos investimentos ou adquirindo empresas locais e, assim, tendem a assumir uma importância cada vez maior na economia de cada Estado vizinho.

51. Pelas suas características territoriais, demográficas e econômicas, e pela sua política externa, o Brasil tem adquirido importância política crescente no cenário internacional. Assim, o Brasil é hoje ator indispensável nas negociações comerciais, tanto agrícolas como industriais; nas negociações ambientais; nas questões energéticas, nos temas de desarmamento e nas negociações de reforma financeira e de reforma política. Suas dimensões o tornaram de grande interesse para os investimentos das grandes empresas multinacionais que no Brasil estabelecem as bases para suas operações na região. Estas circunstâncias tornam a atuação do Brasil na América do Sul, em outras regiões e nas Nações Unidas de uma relevância cada vez maior, sendo o país cada vez mais chamado a participar de forma mais central em foros de negociação e de articulação política, em comparação com o que ocorre com os países vizinhos.

52. O Brasil tem fronteiras com nove dos doze Estados da região, o que nos faz o terceiro país do mundo em número de vizinhos. Esta situação é um fato, inarredável, que nos coloca, devido às características estruturais, às assimetrias, às tendências da região e às oportunidades e riscos nelas embutidas, graves desafios de política externa e interna.

53. Desafios de política externa, devido às assimetrias entre os Estados da região e aos ressentimentos históricos que, latentes, tendem a dificultar o relacionamento político e econômico entre os países, os quais procuram nos envolver, como aliado ou como mediador, em suas disputas. A assimetria atual e crescente entre o Brasil e os demais Estados da região faz surgir sempre, em certos círculos, a preocupação com uma eventual hegemonia brasileira ou a suspeita de uma vocação brasileira para o imperialismo ou para o exercício de um sub-imperialismo.

54. Esses desafios são também de política interna. O Brasil, país de dimensões continentais, durante grande parte de sua história se encontrou isolado, devido à distância e à precariedade das comunicações, dos países andinos e dos países que se encontram no litoral norte da América do Sul, ou em situação de rivalidade com aqueles países mais próximos, como os Estados do cone sul, devido à longa história de disputas coloniais entre Espanha e Portugal e suas seqüelas. Após a Independência, a organização monárquica brasileira diante das repúblicas hispano-americanas, as preocupações das repúblicas hispânicas com as iniciativas de restauração do domínio espanhol, que, supunham, poderiam ter o apoio brasileiro, e, finalmente, os vínculos do Brasil com os países líderes da economia e da política mundial, inicialmente a Inglaterra e, mais tarde, os Estados Unidos, alimentaram atitudes de alheamento, afastamento e desconfiança, recíprocas. Os preconceitos que ainda sobrevivem na sociedade brasileira em relação aos países vizinhos, decorrentes desse passado de isolamento, de rivalidade e de desconfiança, e, hoje, uma percepção indevida e descabida de superioridade, torna difícil para muitos setores da sociedade brasileira compreender plenamente a importância da América do Sul para o próprio desenvolvimento do Brasil.

55. Todavia, em 2022, quer se queira ou não, devido a razões econômicas, políticas e sociais, o Brasil se encontrará inserido na América do Sul de forma muito mais intensa, complexa e profunda, tanto política quanto economicamente, do que se encontra hoje.

56. Razões econômicas, pois à medida que se expandir e se interligar a infraestrutura física da região em termos de transportes, de energia e de comunicações, os fluxos de comércio, de investimentos e migratórios entre o Brasil e cada um dos países vizinhos tenderão a se ampliar, extraordinariamente.

57. Razões sociais, pois na medida em que as sociedades da América do Sul venham a encontrar dificuldades para superar de forma democrática, pacífica e eficiente as extraordinárias disparidades sociais que apresentam, em cuja raiz se encontram fenômenos complexos e entrelaçados, tais como a discriminação racial, a sobrevivência do latifúndio, antigo e moderno, e a pobreza histórica cumulativa, que se reproduz de geração em geração e que atinge amplos setores de suas populações, será difícil para os países da região desenvolver um mercado interno significativo e aproveitar todo seu potencial econômico.

58. Razões políticas, pois na medida em que os países tenham dificuldade em se desenvolver e ao mesmo tempo redistribuir renda e em que permanecerem situações de opressão e de discriminação em relação a grupos étnicos autóctones, a instabilidade social levará à instabilidade política, com maior ou menor grau de violência, com eventuais reflexos sobre o Brasil.

59. Por outro lado, se conseguirem vencer esses desafios econômicos, sociais e políticos as sociedades vizinhas se tornarão parceiros cada vez mais importantes para o Brasil, tanto econômica quanto politicamente.

60. É preciso notar que há, na América do Sul, dois países não-ibéricos, que são a Guiana e o Suriname, ex-colônias da Inglaterra e da Holanda, com vínculos geográficos e culturais com o Caribe anglófono, de pequenas populações e territórios, de independência recente e tênues laços com os países da América do Sul. Basta dizer que tanto no Suriname como na Guiana há embaixadas de apenas três países sul-americanos. Á medida em que a economia da América do Sul se integra e em que os esforços de coordenação política e econômica se ampliam a própria proximidade geográfica fará com que esses países venham a se integrar mais à região.

Perspectivas

61. As características da América do Sul – grande riqueza mineral e energética; grandes extensões de terras aráveis não utilizadas; população cada vez mais urbana em processo de estabilização demográfica; regimes políticos estáveis; inexistência e distância geográfica de áreas de conflitos intensos – tenderão a condicionar o papel da América do Sul em um cenário político mundial em que a disputa pelo acesso a recursos naturais e a alimentos será fundamental. De outro lado, para um grande número de países, com a concorrência chinesa e com a dificuldade de promover políticas nacionais de industrialização, será difícil agregar maior valor à produção e às exportações e diversificá-las, para reduzir a vulnerabilidade externa.

62. Em uma economia mundial em que países como a Índia e a China detêm cerca de 30% da população mundial, com índices de consumo de calorias extremamente baixos, e com economias em rápida e contínua expansão, já que a China cresceu a 10% a.a. em média nos últimos 30 anos e a Índia a 8% a.a. nos últimos dez anos, com escassez crescente de minérios e alimentos, em um contexto de acirrada disputa mundial por recursos, a América do Sul é vista como uma fonte especialmente importante desses recursos.

63. Até 2022 essas tendências tenderão a se agravar devido às tendências do sistema mundial, ao tipo de inserção da região na economia global, às resistências das elites em implantar políticas econômicas e sociais capazes de ampliar com vigor a produção e ao mesmo tempo redistribuir riqueza e renda; à escassez de capital doméstico e à dificuldade de acesso ao mercado mundial para financiar a construção da infra-estrutura; às resistências dos grupos privilegiados em cada sociedade à necessidade de transformação social e de conferir maior poder político à grande massa da população.

64. Assim, em grande número dos Estados da América do Sul, em especial naqueles de menor população e território, as tendências econômicas, sociais e políticas continuarão a ser as mesmas que hoje se apresentam enquanto que as características estruturais se manterão. Somente um esforço muito grande, em que o Brasil teria especial responsabilidade, poderá começar a reverter essa situação.

Um Plano para a América do Sul

65. Após a II Guerra Mundial, os Estados Unidos constataram que os Estados europeus não conseguiriam reestruturar suas economias destruídas por falta de capital, inclusive para adquirir as máquinas e equipamentos necessários à reconstrução. De outro lado, a desmobilização de milhões de soldados americanos, seu regresso aos Estados Unidos e a redução drástica da produção bélica ameaçavam criar uma grave situação de desemprego. Diante da ameaça soviética, do prestígio dos movimentos socialistas e comunistas, alcançado na luta contra a ocupação nazista, do desprestígio das elites colaboracionistas e da necessidade de reativar a economia americana, lançaram os Estados Unidos o Plano Marshall, vasto programa de empréstimos e de doações dos Estados Unidos aos países europeus com o objetivo principal de acelerar a formação de capital, através do financiamento das importações de máquinas e equipamentos americanos.

66. A América do Sul vive uma situação “semelhante” à da Europa após a Segunda Guerra Mundial. A histórica exclusão da enorme maioria das populações de quase todos os países, em situação de extrema pobreza, a violência contra as populações oprimidas, a mortalidade infantil, a desnutrição, a droga, fazem com que morram por ano, na América do Sul, milhões de indivíduos, em uma verdadeira “guerra”, em um continente que necessita com urgência de um programa de construção. No passado, iniciativas como a Operação Pan-Americana e a Aliança para o Progresso se revelaram insuficientes para enfrentar este desafio que, de lá para cá, se tornou maior e cada vez mais complexo.

67. Os países da região maiores e mais avançados, econômica e industrialmente, terão de articular programas de desenvolvimento econômico para estimular e financiar a transformação econômica dos países menores; abrir, sem exigir reciprocidade, seus mercados e financiar a construção da infraestrutura desses países e sua interligação continental. O Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul – FOCEM é um primeiro passo nesse sentido, ao reconhecer a especial responsabilidade dos países maiores no desenvolvimento do Mercosul e seus princípios podem servir como base para um programa, que terá de ser muito mais amplo, no âmbito sul-americano.

68. Caso o desenvolvimento de cada país da região for deixado ao sabor da demanda do mercado internacional e dos humores das estratégias de investimento das megaempresas multinacionais, as assimetrias entre os Estados da região, e dentro de cada Estado, se acentuarão assim como as tensões políticas e os ressentimentos, o que virá a afetar de forma grave as perspectivas de desenvolvimento do Brasil.

69. Muito tem sido feito pelo Brasil em termos de articulação política e de cooperação econômica nos últimos anos na América do Sul através do exercício paciente e persistente dos princípios de não intervenção, de autodeterminação e de cooperação. Mas as dimensões do desafio da América do Sul requerem esforços ainda maiores e mais persistentes, de uma duração que se deve medir por décadas.
15 de julho de 2010
 * Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil
Fuente: www.cartamaior.com.br , 27/7/10

martes, 15 de mayo de 2012

O futuro do Mercosul


Sem a compreensão dos Estados maiores, que deve se refletir em suas contribuições financeiras para diversos programas, em especial para o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul pode-se continuar a enfatizar retoricamente a importância das assimetrias mas elas não diminuirão. Nenhuma política em nenhuma das diversas áreas de integração poderá ir adiante sem a a criação de instrumentos financeiros assimétricos de financiamento.
(*) Artigo escrito para o primeiro número da Austral, Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, lançada pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS, em edição bilíngue (português e inglês), em versão eletrônica e impressa (10 de abril de 2012).

1. A análise da situação do Mercosul, de seus objetivos e das estratégias para alcançá-los, é de especial relevância no momento em que se vem de comemorar os vinte anos da assinatura, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção, em plena e extraordinária crise e transformação política e econômica mundial.

2. Em 1991, era hegemônico o pensamento neoliberal, em um cenário econômico de grande otimismo. Era a Nova Ordem Mundial, anunciada pelo presidente G. H. Bush, a era da globalização, do fim das fronteiras, do fim da História, do progresso ilimitado para todos os Estados e para todos os indivíduos. Era o mundo unipolar, pacífico e próspero.

3. Esse pensamento neoliberal, que veio a ser articulado no Consenso de Washington e impulsionado pelas políticas dos países desenvolvidos nos organismos e negociações internacionais e em suas relações bilaterais com os Estados da América Latina, viria a se refletir, em decorrência dessas pressões externas e até por convicção das elites dirigentes, nas políticas domésticas, econômicas e sociais, dos quatro Estados do Mercosul.

4. Apesar das naturais diferenças entre as situações em que se encontravam Estados e sociedades naquele momento e do grau de radicalismo com que foram implementadas, essas políticas todas tinham como principal objetivo reduzir o Estado a seu mínimo, através de programas de privatização, de desregulamentação e de abertura externa para bens e capitais, muitas vezes adotados de forma unilateral, sem negociação, como “contribuição voluntária” ao progresso de globalização.

5. Em 1991, a situação política internacional estava marcada pela desintegração da União Soviética, pelo fim dos regimes socialistas da Europa Oriental, pelo desprestígio do socialismo como sistema político e econômico, pela expansão (voluntária ou “estimulada”) de regimes democráticos, pelo fim aparente dos conflitos regionais, pela “ressurreição” das Nações Unidas e, finalmente, pela hegemonia dos Estados Unidos. 

6. Em 2012, a economia mundial se caracteriza pelo aumento da distância entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, pela expansão da globalização e das mega empresas multinacionais e, de outro lado, passa pela sua mais profunda crise desde 1929, a qual se originou em uma tendência à superprodução, à extensão excessiva do crédito e, finalmente, em um enorme movimento especulativo, desencadeado por bancos, fundos de investimento, auditoras e corretoras, permitido pela globalização e pela profunda desregulamentação nacional e internacional dos sistemas financeiros. A crise eclodiu nos Estados Unidos e se espraiou pelos sistemas financeiros dos demais países desenvolvidos, enquanto se atribuiu aos países emergentes, de forma indistinta, a capacidade de manter algum crescimento positivo da economia mundial. Enquanto os países ocidentais desenvolvidos se encontram mergulhados em suas crises, que já afetam a unidade européia, a China surge como a segunda maior potência econômica do mundo.

7. Em 2012, o panorama político-militar internacional se caracteriza pelo desenrolar de guerras em países islâmicos, com a expansão dos poderes da OTAN para muito além de sua área de competência; pela luta contra um inimigo difuso, o terrorismo; pela eclosão, imprevista, de movimentos populares contra ditaduras árabes tradicionalmente apoiadas, e às vezes até financiadas, pelas potências ocidentais; pela intervenção das potências ocidentais, a pretexto humanitário, nos assuntos internos de Estados mais fracos; pelo ressurgimento da xenofobia e do racismo, em especial na Europa, com reflexos sobre imigrantes sul-americanos; pela crescente sofisticação e automação das forças militares das grandes potências e pelo seu esforço em desarmar, inclusive em termos convencionais, os Estados mais fracos e já desarmados.

8. Este cenário político-militar estará sendo cada vez mais transformado pela expansão geográfica da presença política, e no futuro militar, da China, a partir de sua crescente influência econômica, em sua qualidade de maior economia, maior potência exportadora e importadora, segundo maior destino de investimentos internacionais, de sua crescente capacidade científica e tecnológica, de sua situação de maior detentora de reservas internacionais e de maior investidora em títulos do Tesouro americano. Apesar de todas as dificuldades e desafios a trajetória econômica e política chinesa tende a não sofrer radicais alterações devido às características de seu sistema político colegiado e de ascensão gradual dos membros do Partido Comunista às posições de alta responsabilidade no Bureau Político do Comitê Central. 

9. A emergência da China como a maior potência econômica do mundo, e possivelmente, em breve, como a segunda maior potência política e militar, tem extraordinárias consequências para a América do Sul, mas muito especialmente para os Estados do Mercosul.

10. Em especial para o Mercosul, na medida em que certos governos da América do Sul tomaram a decisão, de grande importância para seus países e para o futuro político e econômico da América do Sul, que foi a de se inserir, inicialmente, no sistema econômico norte-americano, através da assinatura de amplos acordos econômicos, chamados impropriamente “de livre comércio”, e, em seguida, na economia mundial, através da negociação de acordos, ai sim de livre comércio, com a União Européia e com muitos outros países, entre eles a China.

11. Esses países sul-americanos optaram por uma política de inserção irrestrita na economia global e abdicaram da possibilidade de utilizar diversos instrumentos de promoção do desenvolvimento, em especial importantes no caso de países subdesenvolvidos, com populações expressivas, com alto grau de urbanização, com grandes disparidades sociais e econômicas. E em consequência, abdicaram de uma participação mais intensa em um processo de integração regional sul-americano pela impossibilidade de participar de uma união aduaneira regional e de políticas regionais de natureza industrial que permitam o fortalecimento das empresas produtivas instaladas em seus territórios. Assim, a retórica presente em todos os encontros acadêmicos e políticos sobre a aspiração, a possibilidade e os benefícios de uma futura integração sul-americana deve ser vista à luz desta realidade atual. 

12. O impacto da China sobre a economia dos países do Mercosul, que já é grande, se tornará extraordinário.

13. A economia chinesa vem crescendo a 10% ao ano, em média, nos últimos trinta anos, desafiando os recorrentes prognósticos negativos dos especialistas. Sua economia moderna é integrada por cerca de 300 milhões de indivíduos, com um déficit crescente de alimentos para uma população que melhora e diversifica seu padrão alimentar, sem suficientes terras aráveis e água para a irrigação em grande escala, (ainda que haja a possibilidade de dessalinização da água do mar e de desenvolvimento de tecnologias agrícolas adequadas às suas regiões inóspitas), com uma demanda voraz e um déficit de minérios muito significativo, e com um déficit energético crescente, apesar dos ambiciosos programas de expansão de seus sistemas eletro-nuclear e eólico. A incorporação gradual de mais de um bilhão de chineses, hoje no campo e em atividades de baixa produtividade, ao setor moderno da economia tornará a China o maior mercado do mundo, superior ao mercado americano e europeu somados. 

14. Apesar de a demanda chinesa por minérios, por alimentos e por energia poder ser suprida por outras regiões, em especial a África, a América do Sul e os países do Mercosul estão em condições especiais para atendê-la, como, aliás, já vem fazendo com suas exportações de soja e de minério de ferro, entre outros produtos.

15. A demanda chinesa por minérios, petróleo e produtos agrícolas contribui, de forma expressiva, para o aumento dos preços mundiais desses produtos, para um impulso inflacionário em todos os países, para a geração de grandes receitas cambiais nos países do Mercosul, e para a consequente valorização de suas moedas nacionais, afetadas pelo influxo simultâneo do excesso de moeda ofertada pelos Estados Unidos, através de sua política de “monetary easing”.

16. Por outro lado, a China, que se constituiu, inicialmente, em uma enorme plataforma de produção e exportação das megaempresas multinacionais, passou, através de suas políticas comerciais, industriais e de transferência de tecnologia, a criar e desenvolver suas empresas de capital chinês, capazes de participar do mercado mundial, nos mais diversos setores, com produtos dos mais simples aos mais complexos, com custos de produção e preços de exportação altamente competitivos.

17. A própria situação da China e sua estratégia de desenvolvimento afetará da forma mais profunda as perspectivas de desenvolvimento de cada país do Mercosul, colocará em cheque suas políticas comerciais, industriais e tecnológicas, pautadas pelas normas da OMC, negociadas e adotadas em um contexto internacional diverso, e o próprio futuro do Mercosul, como esquema de desenvolvimento econômico, de transformação produtiva e de desenvolvimento social da região. 

18. De um lado, a demanda chinesa por produtos primários e, de outro lado, sua oferta de produtos industriais a baixo preço, diante da ortodoxia de política econômica de certos países (centrada em uma excessiva preocupação com o combate à inflação e com o equilíbrio fiscal) e de seu baixo dinamismo tecnológico poderá levar, se não vierem a ser formuladas e implementadas firmes e permanentes políticas industriais de agregação de valor aos produtos primários em forte demanda, a uma especialização na produção primária para exportação, e à conquista pela China dos mercados de produtos industriais dos sócios do Mercosul e dos demais países da América do Sul .

19. Esta situação tenderia a se agravar com a superação da crise econômica nos países altamente industrializados, que provocou a redução temporária de sua demanda por insumos primários. Com a retomada de seu crescimento industrial e de renda, esses países passarão a exercer uma pressão adicional ainda maior sobre os mercados de produtos primários, agrícolas e minerais, com alta possibilidade de aprofundar o processo de especialização regressiva dos países da América do Sul e em especial do Mercosul, que inclui as duas maiores economias industriais da região.

20. Em sociedades cada vez mais urbanizadas e com populações expressivas, sob o impacto permanente da propaganda agressiva de estímulo ao consumo, essa especialização regressiva levaria a uma oferta de empregos industriais nessas sociedades insuficiente para atender à crescente demanda decorrente do crescimento demográfico e da necessidade de absorver os estoques de mão de obra secularmente subempregados e desqualificados. Os efeitos sociais dessa insuficiente geração de empregos urbanos seriam de extrema gravidade. 

21. Esse cenário afetaria profundamente as perspectivas e as possibilidades de integração mais profunda entre os Estados do Mercosul na medida em que esta integração depende da vinculação cada vez maior entre suas economias (e consequente vinculação política) o que somente é possível pelo intercâmbio de produtos industriais pois, no setor agrícola, além da menor gama de produtos típica desse setor, as produções dos quatro países são, em larga medida, concorrentes. Suas economias ficariam gradual ou até mesmo rapidamente cada vez mais isoladas umas das outras e o processo de integração mais profunda ficaria definitivamente abalado e reduzido a esforços de cooperação em setores importantes, porém limitados. 

O desafio das assimetrias

22. As assimetrias entre os Estados do Mercosul, que são notáveis em território e população, aspectos o primeiro fixo e o segundo de lenta transformação, mas que tem, todavia, grande importância econômica, vem crescendo rapidamente em termos de grau de diversificação produtiva, de dinamismo tecnológico e de dimensão dos respectivos parques produtivos.

23. A dinâmica dessas assimetrias, deixada ao sabor das forças de mercado, em uma união aduaneira e em uma área de livre comércio, na inexistência de esquemas corretivos, leva a um grau de desenvolvimento cada vez mais distinto e, portanto, a fricções, a frustrações e a ameaças permanentes à coesão do Mercosul, com todas as consequências para a capacidade, tanto dos Estados maiores mas em especial dos menores, de defender e de promover seus interesses em um cenário internacional cada vez mais caracterizado, apesar da crise, pela expansão de grandes blocos de países, nas Américas, na Europa e na Ásia. 

24. A redução das assimetrias é essencial para que as economias e as sociedades possam se beneficiar de forma equitativa do processo de integração. As assimetrias que, em termos concretos, correspondem a grandes diferenças de infra-estrutura física e social, de capacitação da mão de obra e de dimensão das empresas, fazem com que os investimentos privados não possam se distribuir de forma mais harmônica dentro do espaço comum, que a geração e a qualidade de empregos seja desigual e que, portanto, seja desigual a geração de renda e o bem estar nas diversas sociedades.

25. Outros esquemas de integração, como a União Européia, desde sua origem em 1958, se preocuparam com a existência e os efeitos de diferentes níveis de desenvolvimento entre os Estados que deles participavam e com a necessidade de promover o desenvolvimento mais acelerado dos países mais atrasados para tornar mais equilibradas as oportunidades dentro do espaço econômico comum. Lançaram mão de vários programas, basicamente de transferência de recursos, com o objetivo de nivelar a economia dos Estados que foram se agregando à União Européia e que se encontravam em diferentes estágios de desenvolvimento. O processo de reunificação das duas Alemanhas foi e é um exemplo de grande transferência de recursos que chega a atingir trilhões de dolares com o objetivo de nivelar duas economias e sociedades que se integram. 

26. Devido à doutrina neoliberal e a seus objetivos implícitos, que presidiram à criação do Mercosul, inicialmente julgou-se e afirmou-se que as dimensões assimétricas dos Estados não afetariam o desenvolvimento de cada um deles e que a simples integração comercial automática, sem levar em conta de forma adequada essas assimetrias, permitiria a cada um deles usufruir, de forma igual ou semelhante, dos benefícios decorrentes do processo de integração.

27. Vinte anos depois do Tratado de Assunção há uma aceitação generalizada de todos os Governos da importância e das consequências de toda ordem das assimetrias entre os Estados e da necessidade de enfrentá-las com programas eficazes, cujo montante de recursos até agora alocados são absolutamente insuficientes para a dimensão da tarefa.

28. Algumas afirmações básicas podem ser feitas sobre a possibilidade de êxito no enfrentamento do desafio de redução das assimetrias, indispensável para a coesão e o futuro econômico e político do Mercosul:

a. sem a compreensão generosa (e, aliás, de seu próprio interesse, econômico e político) dos Estados maiores, que deve se refletir em suas contribuições financeiras para os diversos programas, em especial para o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul) pode-se continuar a enfatizar retoricamente a importância das assimetrias mas elas não se reduzirão;

b. sem a construção da infra-estrutura de energia e de transportes nos Estados menores as assimetrias não se reduzirão e

c. nenhum programa ou política comunitária em nenhuma das diversas áreas de integração poderá ir adiante sem a a criação de instrumentos financeiros assimétricos de financiamento desses programas e políticas.

Ampliação geográfica do Mercosul

29. Em um cenário internacional caracterizado pela ampliação de grandes blocos de países fortalecidos, a despeito da crise do euro, a capacidade do Mercosul de defender e de promover os interesses de seus Estados depende de seu fortalecimento econômico e político.

30. Do ponto de vista econômico e social, o fortalecimento do Mercosul resultará do desenvolvimento produtivo de cada uma das quatro economias nacionais, de sua integração física e comercial, da redução significativa das disparidades em cada uma das sociedades, de seu dinamismo tecnológico, da redução das vulnerabilidades externas de cada um de seus membros. 

31. Do ponto de vista político, o fortalecimento do Mercosul como bloco depende de um lado de uma coordenação cada vez mais estreita de seus membros e, de outro lado, do número de Estados soberanos que o integram, Estados que, por esta razão, tem interesse em coordenar suas ações, como membros de um bloco, nas negociações e foros internacionais e diante de crises e iniciativas de terceiros Estados, em especial daqueles mais poderosos.

32. A ampliação geográfica do Mercosul significa a adesão de novos membros. Por causa de decisões que tomaram no passado, não podem, no momento atual, fazer parte do Mercosul Estados que assinaram acordos de livre comércio com outros Estados ou blocos, tais como a União Européia, e que, por esta razão, aplicam tarifa zero às importações provenientes daqueles Estados ou blocos e que, assim, não poderiam adotar e aplicar a Tarifa Externa Comum do Mercosul.

33. A ampliação geográfica do Mercosul teve início com o processo de adesão da Venezuela. A participação integral da Venezuela no Mercosul é da maior importância política e econômica, dada a riqueza de recursos minerais e energéticos do país e de sua decisão de desenvolver industrialmente sua economia. Depende ela agora somente de decisão do Senado Paraguaio, já tendo sido aprovada pela Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela. 

34. Além da Venezuela, poderiam, em princípio, ingressar no Mercosul a Bolívia, o Equador, o Suriname e a Guiana. A possibilidade de Estados extra-regionais, isto é, situados fora da América do Sul, ingressarem no Mercosul é reduzida.

35. É de todo o interesse dos Estados do Mercosul criar as condições as mais favoráveis possíveis ao ingresso da Bolívia, do Equador, do Suriname e da Guiana como membros plenos no Mercosul e de fortalecer as relações com todos os demais países da América do Sul que, aliás, já são Estados associados, para que, no futuro, caso desejem ingressar no Mercosul, este ingresso seja mais fácil e eficaz, política e economicamente. 

O Mercosul como mecanismo de desenvolvimento regional

36. À época da criação do Mercosul, existia a convicção nos governos dos Presidentes Menem, Collor, Rodrigues e Lacalle, de que a execução das políticas preconizadas pelo Consenso de Washington, isto é, de desregulamentação, de privatização, de abertura ao capital estrangeiro e de remoção das barreiras ao comércio, seriam suficientes para promover o desenvolvimento econômico e social.

37. O Mercosul foi criado em 1991 para ser um esquema de liberalização comercial, como uma etapa de um processo “virtuoso” de eliminação de barreiras ao comércio e de plena inserção na economia internacional, e não para ser um organismo de promoção do desenvolvimento econômico nem dos Estados isolados nem em conjunto.

38. A implementação do Tratado de Assunção, ao não levar em conta de forma adequada as diferenças entre os países e o impacto econômico e político dos deslocamentos econômicos causados pela redução de tarifas, levou a todo tipo de esquemas “provisórios”, tais como o acordo automotivo e as exceções à TEC, periodicamente renovadas, para bens da capital e de tecnologia de informação, e os acordos, muitas vezes informais, de organização do comércio em certos setores empresariais.

39. A transformação do Mercosul de uma simples união aduaneira e área de livre comércio imperfeitas em um esquema de desenvolvimento regional equilibrado e harmonioso dos quatro Estados, o que significa a eliminação das assimetrias e a gradual construção de uma legislação “comum”, exigiria:

a) o reconhecimento enérgico das assimetrias, cuja realidade se verificaria pela constituição de fundos comuns assimétricos, com recursos adequados, em cada área de integração, para financiar projetos, inclusive de harmonização gradual da legislação;

b) a garantia de condições para permitir políticas de promoção do desenvolvimento industrial de cada Estado;

c) a celebração de acordos em setores industriais relevantes, semelhantes ao acordo automotivo;

d) a criação de mecanismos que impeçam a “desorganização dos mercados” nacionais e, ao mesmo tempo, evitem o desvio de comércio em favor de países não-membros do Mercosul;

e) o acesso das empresas de capital nacional, sediadas nos quatro Estados, aos organismos nacionais de financiamento de qualquer um dos quatro Estados do Mercosul;

f) a harmonização da legislação dos quatro Estados em todas as áreas de integração. 

40. A crise econômica internacional, a estratégia e as políticas de desenvolvimento implementadas pela China, os programas implementados pelos países industrializados para enfrentar a crise e a verdadeira “suspensão”, na prática, das normas incluídas nos diversos acordos da OMC, “negociados” à época da hegemonia do pensamento neo liberal, criam um ambiente propício à adoção deste elenco de medidas.

(*) Alto Representante do Mercosul

El capitalismo extractivo y las diferencias en el bando latinoamericano progresista - James Petras



Antes de acceder al poder mediante procesos electorales, los dirigentes progresistas apoyaron y participaron activamente con la «acción callejera» y la lucha de masas 
Introducción
Los principales países exportadores en el sector agro-minero, entre los que se encuentran los más implicados con las principales multinacionales energéticas y de la minería del mundo, son también los que se caracterizan por ejercer las políticas más independientes y progresistas. En apariencia, la primacía de las economías basadas en el «capitalismo extractivo» y la exportación de bienes, ya no guardan correlación con gobiernos «neocoloniales».
Se puede argumentar que las concesiones a las multinacionales del sector extractivo y las clases «dirigentes» locales garantizan estabilidad e ingresos constantes y financian los crecientes gastos sociales que permiten la reelección de gobiernos de centro-izquierda. Dicho de otro modo: el fundamento no declarado de los éxitos electorales del centro-izquierda es una alianza de facto entre «la cúpula» y «la base» de la estructura de clases, a pesar de la creciente divergencia política entre los gobiernos y algunos sectores de los movimientos sociales.
El bando progresista
Existe consenso generalizado acerca de que hay siete gobiernos de siete países de América Latina que constituyen lo que se podría denominar el «bando progresista»: Bolivia, Ecuador, Argentina, Brasil, Uruguay, Perú y Venezuela.
Algunos rasgos definitorios que se suelen atribuir a los gobiernos de estos países son: 1) la trayectoria política anterior: la mayoría están encabezados por dirigentes y activistas de movimientos sociales, sindicatos o grupos guerrilleros, 2) las declaraciones relativamente independientes que hacen en el ámbito de la política exterior, en especial en lo referente a la intervención y las medidas sancionadoras estadounidenses, 3) la retórica ideológica que rechaza el liderazgo estadounidense en organismos regionales y favorece a organizaciones centradas en América Latina, 4) los programas electorales populistas acerca de la igualdad social, el ecologismo y los derechos humanos, 5) el rechazo vehemente del «neoliberalismo» y de las personalidades, partidos y privatizaciones neoliberales tradicionales, 6) la perspectiva estratégica que concibe un proceso prolongado de transformación social que subraya un calendario compuesto de modernización, prioridades desarrollistas y altos niveles de inversión orientada a los mercados globales y, 7) la permanencia política en el tiempo basada en reformas constitucionales que les permiten ser reelegidos amparándose en la necesidad de completar esa concepción transformadora.
El bando progresista tiene de sí mismo una imagen, que se proyecta hacia su electorado, según la cual representa una ruptura o quiebra «histórica» con el pasado; en primer lugar, en lo relacionado con la oligarquía neoliberal tradicional y, en segunda instancia, con la izquierda «estatalista». En los casos de Bolivia, Ecuador y Venezuela, suelen recurrir a una retórica alusiva al «socialismo del siglo XXI». La potencia del llamamiento a la originalidad radical tiene un alcance temporal limitado que depende del grado con el que los gobiernos desarrollan políticas discrepantes con el gobierno neoliberal predecesor.
La «división entre izquierda y derecha» tal como la representa el Bando Progresista (BP)
Las percepciones de la divergencia objetiva y subjetiva entre el bando progresista y la derecha varían en función de si emanan de fuentes oficiales o de una investigación empírica crítica. Según los ideólogos del BP, hay al menos cinco ámbitos políticos importantes que reflejan la ruptura radical con la derecha neoliberal tradicional:
(1) Nacionalismo: a) mediante la renegociación de contratos con las multinacionales del sector extractivo, el BP garantiza una elevada tasa de recaudación de impuestos e incrementa los ingresos para las arcas públicas; b) mediante el aumento de la inversión estatal, convierte empresas de titularidad íntegramente privada en iniciativas conjuntas del sector público y privado; c) mediante el incremento del pago de regalías suaviza la «explotación extranjera»; y d) mediante una mayor presencia de «tecnócratas locales» acrecienta el control nacional de decisiones estratégicas.
(2) Política exterior: El bando progresista ha desarrollado una política exterior independiente, cuando no explícitamente antiimperialista. Para evitar deliberadamente la presencia de países imperiales norteamericanos y europeos, el bando progresista ha consolidado varias organizaciones regionales latinoamericanas y caribeñas, como ALBA (Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América) y UNASUR (Unión de Naciones Suramericanas). El BP ha rechazado las sanciones contra Cuba, Irán, Siria y Gaza y se ha opuesto a la guerra estadounidense contra Libia respaldada por la OTAN. Criticaron la posición estadounidense en la reunión de la Cumbre de las Américas celebrada en abril de 2012 en, al menos, tres cuestiones importantes: la inclusión de Cuba, la oposición al control británico de las Malvinas y la despenalización de las drogas. El BP ha manifestado su oposición a la hegemonía estadounidense, a las «reformas estructurales» del FMI y al control euro-estadounidense de las principales instituciones de crédito. Con la excepción de Venezuela, el BP ha diversificado sus mercados de exportación. Brasil, por ejemplo, exporta a Estados Unidos solo el 12,5 por ciento de sus bienes y servicios; Argentina, el 6,9 por ciento; y Bolivia, el 8,2 por ciento..
(3) Política social: El BP ha incrementado el gasto social, en especial en lo relacionado con la reducción de la pobreza en zonas rurales; ha elevado el salario mínimo; ha aprobado incrementos salariales. En unos cuantos países ofrecen créditos y financiación asequible para pequeñas y medianas empresas, han concedido títulos de propiedad legal a ocupantes de tierras y han distribuido parcelas de terreno público sin cultivar al modo de pequeña «reforma agraria».
(4) Regulación: Con un grado de coherencia dispar, el BP ha impuesto controles al sector financiero y ha regulado el flujo de capital especulativo y la volatilidad de los mercados financieros. En lo que se refiere a las normativas que rigen el sector extractivo, se han suavizado para favorecer la afluencia a gran escala de capital y para que las empresas agrarias puedan utilizar de forma generalizada productos químicos tóxicos y semillas transgénica. Han autorizado la expansión de la minería, la agricultura y la industria maderera en reservas indígenas y naturales. Han financiado proyectos de infraestructura a gran escala que vinculan a empresas del sector extractivo con mercados exportadores, invadiendo hábitats naturales protegidos anteriormente protegidos. La normativa se ha justificado aduciendo que pretende facilitar el desarrollismo extractivo «productivo» y limitar la «financiarización» de la economía.
(5) Política laboral: Se ha basado en un «modelo corporativista» de negociación y conciliación empresa-Estado-sindicato (tripartito) para limitar las huelgas y los paros patronales y para mantener el crecimiento, las exportaciones y los flujos de ingresos. La política laboral ha quedado condicionada a la de limitar los déficits presupuestarios a la tasa de inflación mediante la fijación de los incrementos salariales. En sintonía con las medidas fiscales ortodoxas, las pensiones de los trabajadores del sector público se han congelado o reducido, en especial entre los funcionarios de rango medio y alto. Las garantías laborales tradicionales se han mantenido intactas y la indemnización por despido no se ha aumentado. Las huelgas de trabajadores del sector público, sobre todo de profesores, personal sanitario y trabajadores sociales, han sido frecuentes y han desembocado en conquistas menores a través de la mediación gubernamental. La política gubernamental se ha orientado a la protección de las prerrogativas de la dirección, al tiempo que se respetaba la situación legal y los derechos de negociación colectiva de los sindicatos. En las empresas nacionalizadas gobiernan directivos nombrados por el Estado y no hay movimientos hacia la autogestión obrera o la «co-gestión», salvo en casos muy concretos de Venezuela. La estructura de las relaciones laborales sigue el modelo jerárquico de la empresa privada. La mano de obra, en el mejor de los casos, desempeña un papel consultivo en lo referente a la salud y la seguridad, pero no ejerce influencia determinante, ni invierte en el interior de este marco empresarial. Ha sido necesaria la presión sindical a través de la huelga y las protestas, a menudo aliada con grupos comunitarios, para corregir las violaciones más atroces de la normativa sanitaria o de seguridad por parte de las empresas. Aunque los gobiernos progresistas evitan públicamente las medidas neoliberales de «flexibilidad laboral», han hecho muy poco para ampliar y profundizar en las prerrogativas laborales sobre la mano de obra y el proceso de producción.
La principal diferencia de política laboral entre los gobiernos progresistas y la derecha tradicional es la «puerta abierta» a los dirigentes sindicales, su disposición a mediar y garantizar el incremento de los salarios, en especial el salario mínimo y, por lo general, la disminución de la represión brutal y violenta.
Continuidades y semejanzas entre los gobiernos neoliberales del pasado y los progresistas actuales
Los autores, profesores universitarios y periodistas de derecha y centro-izquierda subrayan la diferencia entre los gobiernos progresistas y los gobiernos neoliberales del pasado, sin reparar en que hay semejanzas estructurales políticas y económicas a gran escala. Un análisis más matizado y equilibrado requiere tener en cuenta las continuidades porque desempeñan un papel fundamental en el análisis de las limitaciones y los conflictos emergentes y la crisis que espera a los gobiernos progresistas. Además, estas limitaciones, fundadas en las continuidades, resaltan la importancia de los modelos de desarrollo alternativos propuestos por los movimientos sociales populares.
El modelo de exportación agro-mineral ha hecho gala de deficiencias estratégicas profundas en su propia estructura y rendimiento. El fomento de las exportaciones agro-minerales ha venido acompañado de la entrada a gran escala y largo plazo de capital extranjero, lo que a su vez determina la tasa de inversión, las fuentes de incorporación de maquinaria, tecnología y conocimiento, así como el control del procesamiento y la comercialización de materias primas. Los «socios» multinacionales de los gobiernos progresistas han condicionado su participación sobre la base de (a) la desregulación en la protección del medio ambiente, (b) el cese del control de precios y la introducción de «precios internacionales» para la venta en el mercado interior y (c) la libertad para gestionar las ganancias del comercio interior y transferirlas al extranjero.
También controlan las decisiones relacionadas con la explotación de las reservas mineras. La expansión de la producción se rite por criterios multinacionales propios y no por las necesidades del país «anfitrión». En consecuencia, a pesar de la «renegociación» de contratos que los gobiernos progresistas celebran como «avance gigantesco» hacia la «nacionalización», la pérdida acumulativa de los ingresos y el reequilibrio de la economía son sustanciales. Si se observa más allá del entorno agro-minero, el impacto negativo para el desarrollo posterior es importante. El muy limitado impacto que el modelo agro-minero ejerce sobre el conjunto de la economía ha desembocado en abril de 2012 en un conflicto concreto entre la empresa nominalmente española Repsol y el gobierno argentino de Cristina Fernández. La conducta de Repsol ilustra los escollos que presenta la colaboración con empresas extranjeras del sector extractivo. Repsol se negó a aumentar las inversiones aduciendo que la regulación local de los precios reducía sus márgenes de beneficio. En consecuencia, entre 2010 y 2011 la factura energética de Argentina se multiplicó por tres pasando de los 3.000 millones a los 9.000. Además, Repsol repatriaba sus beneficios, pagaba elevados dividendos a los accionistas del exterior y, por tanto, influía muy poco en la creación de industrias en el interior que supusieran aportaciones al proceso o refinerías para procesar el petróleo.
La tentativa del fallecido presidente Kirchner de acrecentar las «propiedades nacionales» incorporando a un capitalista local (el grupo Peterson) no tuvo ningún impacto positivo, sino la mera consolidación del control de Repsol. Cuando Fernández se apropió de la mayoría de las acciones con el fin de establecer un control público e incrementar la producción local, la totalidad de los dirigentes de la Eurozona encabezada por el gobierno español y la prensa económica occidental lanzó una campaña furibunda, amenazó con litigar y auguró catástrofes económicas. El problema de «invitar» a multinacionales extranjeras a invertir es que resulta difícil retirarles la invitación. Una vez que entran en un país, al margen de lo defectuosa que sea su actuación, es difícil rectificar o corregir el perjuicio y pasar a un nuevo modelo de desarrollo centrado en lo público.
Todos los gobiernos progresistas, con la posible excepción de Venezuela, han firmado contratos de larga duración y a gran escala con multinacionales extranjeras importantes del sector extractivo. Aparte del incremento de las regalías, los acuerdos no difieren demasiado de los contratos firmados por los gobiernos neoliberales de derechas que les precedieron.
Evo Morales firmó un contrato de explotación a gran escala con Jindal, una multinacional india, para explotar la mina de hierro Mutun, importando prácticamente todas las aportaciones (maquinaria, transporte, etc.) y con un grado de «industrialización» muy limitada de la mena de hierro (en su mayoría, simples «pepitas» de hierro). La gran mayoría del gas y el petróleo de Bolivia la explotan «iniciativas conjuntas» del sector público y el multinacional y se envía al extranjero, lo que deja a más del 60 por ciento de los hogares rurales sin gas canalizado y significa que Bolivia tenga que importar casi todo su gasoil.
El Ecuador de Correa, otro presidente progresista destacado, firmó dos contratos importantes con grupos petroleros extranjeros en febrero de 2012, a pesar de la oposición de la mayoría de las organizaciones indígenas, entre ellas CONAI. En Ecuador, igual que en Bolivia, si bien las grandes empresas del sector petrolero y del gas plantean objeciones a una renegociación de contratos que supone incrementar del pago de regalías y una mayor presencia de autoridades públicas, conservan una posición privilegiada en decisiones fundamentales relacionadas con la gestión, la comercialización, la tecnología y la inversión. A pesar de que se afirme lo contrario, los dirigentes de los gobiernos progresistas y de las multinacionales no son muy diferentes de lo que se sabía que sucedía bajo gobiernos «neoliberales» anteriores. Además, tanto en Ecuador como en Bolivia, muchos de los «tecnócratas» y administradores que trabajaron con gobiernos neoliberales anteriores desempeñan un papel destacado en la dirección de las iniciativas mixtas.
Si bien los gobiernos progresistas han puesto en marcha programas contra la pobreza y han registrado algunos éxitos en la reducción de los niveles de pobreza, lo hacen como consecuencia del crecimiento de la economía, no a través de la redistribución de la riqueza. De hecho, los gobiernos progresistas no han implantado políticas redistributivas: la concentración de rentas y de tierras, con elevados niveles de desigualdad, continúa intacta. En realidad, la jerarquía de la estructura de clases no se ha alterado y, en la mayoría de los casos, se ha visto reforzada por la inclusión de nuevos candidatos a la clase media y alta. Entre ellos se encuentran muchos antiguos dirigentes y activistas de la clase media y trabajadora que han ingresado en el gobierno, así como «nuevos capitalistas» que se benefician de los contratos estatales del gobierno progresista.
El sistema financiero se ha mantenido intacto y ha prosperado bajo los gobiernos progresistas, sobre todo porque esos gobiernos endurecen las políticas fiscales, acumulan reservas extranjeras, controlan el gasto público y reducen la tasa de inflación. Los beneficios del sector financiero son especialmente elevados en Brasil, Uruguay, Perú, Bolivia y Ecuador. Brasil, concretamente, ha atraído grandes flujos de capital especulativo de Wall Street y la City londinense debido a sus elevados tipos de interés en relación con los de América del Norte y Europa.
Junto con la concentración de la propiedad en los sectores extractivo y financiero, los gobiernos progresistas no han introducido impuestos progresivos para reducir las diferencias de riqueza. La renta de las élites del sector agrario en Bolivia, Argentina, Uruguay, Brasil y Ecuador es varios cientos de veces más alta que la de la inmensa mayoría de los granjeros, campesinos y jornaleros dedicados a la agricultura de subsistencia. Muchos de estos últimos siguen sometidos a unas condiciones de vida y laborales atroces. En muchos casos, los gobiernos progresistas han hecho muy poco por fortalecer la normativa laboral y sanitaria en las gigantescas plantaciones agrarias mientras los trabajadores quedan expuestos a la fumigación de productos químicos tóxicos no regulados.
Si la configuración de la propiedad y la riqueza sigue relativamente inalterada desde el pasado neoliberal, los gobiernos progresistas han acentuado la tendencia a la especialización en la exportación. Con los gobiernos progresistas, las economías se han diversificado menos y dependen más de la exportación del sector agro-mineral y energético, y su crecimiento depende de la inversión extranjera a largo plazo y gran escala. Los ingresos del Estado y el crecimiento dependen más de la exportación de productos primarios.
Las políticas de libre mercado de los gobiernos progresistas exportadores de productos del sector agro-minero han estimulado el crecimiento de la actividad comercial a gran escala. El sector comercial está cada vez más influido por la entrada masiva de multinacionales de titularidad extranjera, como Wal-Mart, cuyos productos tienen origen en el exterior, lo que perjudica a los pequeños productores locales y a los minoristas.
La apreciación de la moneda ha afectado negativamente al sector manufacturero tradicional y a la industria del transporte, lo que ha supuesto una destrucción de empleo significativa, sobre todo, en el sector textil, del calzado y automovilístico de Brasil, Bolivia, Perú y Ecuador. Además, las medidas de apoyo para favorecer a los exportadores mayoristas del sector agro-mineral han venido acompañadas por una restricción del crédito a los pequeños empresarios locales, en especial a los abastecedores de mercados locales, que han recibido un duro golpe con la importación de bienes de consumo baratos (procedentes de Asia). Los agricultores que producen alimento para los mercados locales han visto reducido su impulso expansivo para ampliar la producción de cultivos de exportación como la soja.
En resumen, los gobiernos progresistas han mantenido un doble discurso de múltiples caras: una retórica antiimperialista, nacionalista y populista de consumo interno, al mismo tiempo que ponían en práctica una política de fomento y expansión del papel del capital extractivo extranjero en iniciativas conjuntas con el Estado y una creciente burguesía nacional nueva. Los gobiernos progresistas articulan una narración de socialismo y democracia participativa pero, en la práctica, desarrollan políticas que vinculan el desarrollo a la concentración y centralización del capital y el poder ejecutivo.
Los gobiernos progresistas predican una doctrina de justicia social y equidad y desarrollan una práctica de cooptación de dirigentes sociales y de clientelismo mediante los programas contra la pobreza para los sectores más depauperados de la sociedad.
Los gobiernos progresistas han combinado medidas de aumento de las rentas con cambios estructurales a gran escala que benefician al sector primario extractivo. La estabilidad del BP depende abiertamente del aumento de la demanda de materias primas, del elevado precio de los bienes y de la apertura de los mercados. Los gobiernos progresistas han logrado vincular a sectores sindicales y del movimiento campesino con el Estado y han socavado o debilitado a organizaciones de clase independientes y las han sustituido por estructuras corporativas tripartitas.
Los progresistas han conseguido «reformar» o sustituir las políticas caóticas, desreguladas, conflictivas y racistas de sus predecesores y han institucionalizado el «capitalismo normal». Han introducido reglas y procedimientos para favorecer la estabilidad institucional, la disciplina fiscal y el incremento de beneficios, pero desigual. En otras palabras: los «parámetros del neoliberalismo» se administran ahora de forma eficiente y se legitiman mediante un falso nacionalismo basado en una mayor autonomía política y diversificación mercantil. La toma de decisiones ejecutivas centralizadas basada en unos acuerdos que requieren que las multinacionales del sector extractivo inviertan y desarrollen las fuerzas productivas se legitima mediante un marco electoral y una coalición política entre muchas clases sociales.
Las políticas interior y exterior de los gobiernos progresistas extractivos reflejan dos experiencias contradictorias: sus orígenes radicales en las campañas para tomar el poder y la posterior adopción de una estrategia de exportación agro-mineral desarrollista, propugnada por tecnócratas neoliberales. La «síntesis» de estas dos experiencias aparentemente «contradictorias» encuentra expresión, por una parte, en la adopción de una posición política independiente y crítica hacia el militarismo y el intervencionismo imperialista y, por otra, en la colaboración económica con los agentes del imperialismo económico, a saber: la firma de contratos a gran escala y largo plazo con multinacionales del sector energético y agro-minero estadounidenses, europeas y canadienses. Dicho de otro modo: los gobiernos progresistas extractivos han «redefinido» o reducido el significado del imperialismo a sus estructuras y políticas estatales, y no a sus elementos económicos (las multinacionales) dedicados a la extracción de materias primas y la explotación de la mano de obra.
Del mismo modo, redefinen el significado de «antiimperialismo» equiparándolo al de oposición a las intervenciones político-militares y a la «justa distribución» de los beneficios entre el gobierno y su «socio» multinacional. Esta redefinición permite a los gobiernos progresistas reclamar legitimidad popular sobre la base de la crítica regular a las políticas y prácticas del Estado imperial, mientras que la colaboración y los acuerdos con las multinacionales permiten a los gobiernos progresistas conservar los apoyos de los intereses empresariales del interior y el extranjero. Cuando un gobierno progresista, como en el caso de la Argentina gobernada por Cristina Fernández, decide «nacionalizar» o, dicho con más precisión, obtener la mayoría de las acciones de Repsol, la multinacional petrolera de titularidad nominal española, toda la prensa económica, la Unión Europea y Washington denuncian la medida y amenazan con represalias. En otras palabras: el pacto tácito entre el bando progresista y los gobiernos imperiales consiste en que las diferencias políticas son tolerables, pero las medidas económicas nacionalistas no son aceptables.
La renegociación de los contratos para aumentar los ingresos del Estado puede producir la suspensión temporal de nuevas inversiones, pero no una confrontación política. Sin embargo, la apropiación pública de una empresa extranjera del sector extractivo hace pensar en una hostilidad previsible y en represalias de los Estados imperiales. La suscripción por parte del gobierno progresista de Argentina a una medida de nacionalismo económico estuvo limitada, no obstante, a una empresa y un sector. El gobierno de Fernández no tenía y no tiene planes para expropiar en el futuro otras empresas del sector extractivo, ni la medida formó parte de una estrategia nacionalista general para avanzar hacia una mayor cuota de propiedad de titularidad pública. Más bien, la negativa de Repsol a aumentar las inversiones y la producción acrecentaba la dependencia de Argentina de la importación de petróleo, lo que estaba deteriorando su balanza de pagos y sus reservas de moneda extranjera.
La negativa de Repsol a obedecer la agenda desarrollista de Argentina se basaba en la política de Fernández de mantener el precio del petróleo de consumo para el mercado interior por debajo del precio internacional. El descenso de la producción de Repsol era una forma de presionar al gobierno para que eliminara el control sobre los precios. De todos modos, el aumento del precio del petróleo tendría un impacto negativo sobre los consumidores industriales y locales, elevando los costes y reduciendo la competitividad de los exportadores y productores argentinos. En realidad, la intransigencia de Repsol amenazaba con debilitar el equilibrio de fuerzas social y político entre mano de obra y capital y entre exportadores del sector extractivo y consumidores populares, que sustenta la coalición mayoritaria del gobierno. En resumen, la medida tenía forma nacionalista pero contenido capitalista desarrollista.
Aún así, la medida ha polarizado la economía mundial entre el Occidente imperial y la izquierda latinoamericana, en la que los sátrapas latinoamericanos de siempre (Calderón, de México, y Santos, de Colombia) han apoyado a Repsol.
Las divisiones entre los gobiernos progresistas y los movimientos sociales
Antes de acceder al poder mediante procesos electorales, los dirigentes progresistas mantuvieron lazos estrechos y apoyaron y participaron activamente con la «acción callejera» y la lucha de masas de los movimientos sociales. Esgrimieron las banderas del nacionalismo económico, la conservación del medio ambiente y el respeto a las reservas naturales de las comunidades indígenas, la igualdad social y la revisión de la deuda externa incluyendo el rechazo de las «deudas ilegales».
Los movimientos sociales desempeñaron un papel importante en la politización y la movilización de las clases trabajadora y campesina para elegir a los presidentes progresistas. Esa convergencia duró poco. Una vez en el poder, los gobiernos progresistas nombraron ministros económicos ortodoxos para que dirigieran la economía. Adoptaron la estrategia extractiva, abandonaron una economía nacionalista del sector público, concebida para diversificarse, y se pasaron a una «economía mixta» basada en empresas participadas con capital extranjero del sector extractivo. Primero, las comunidades indígenas de Perú, Ecuador y algunos sectores de Bolivia pasaron a la oposición aduciendo que no se tenían en cuenta sus intereses y que no se les consultaba. Luego, sectores de la clase trabajadora y el funcionariado se arrancaron a demandar salarios más altos y un incremento en el gasto público. Los pequeños campesinos y productores reclamaron estímulos económicos para las explotaciones familiares y las industrias locales, en lugar de subsidios para las multinacionales agro-minerales, ortodoxia fiscal y estrategias de explotación basadas en la reducción de los costes laborales y el abandono del mercado interior.
Los campesinos radicales sindicados y los dirigentes indígenas de los movimientos sociales pusieron en duda la estrategia extractiva agro-mineral en su conjunto, la distribución y la administración de ingresos y gastos del Estado. Reafirmaron su apoyo a un programa social defendiendo la reforma agraria, incluida la expropiación de grandes plantaciones y la redistribución de tierras a campesinos desposeídos. Los dirigentes laborales reclamaban una política industrial que procesara «materias primas» con el fin de crear puestos de trabajo en el sector manufacturero. Algunos sindicalistas reclamaron la nacionalización de bancos e industrias estratégicas. Sin embargo, a pesar de algunas protestas importantes, la gran masa de seguidores de los movimientos sociales y la mayoría de sus líderes abandonaron muy pronto el rechazo radical del modelo extractivo y empezaron a reclamar una parte mayor de los ingresos. Los gobiernos progresistas atrajeron a la gran masa de los dirigentes sociales a mesas de conciliación tripartitas para negociar y garantizar cambios progresivos. Los gobiernos progresistas resaltaron su oposición al «neoliberalismo». Lo redefinieron para calificarlo de capitalismo no regulado y basado en regalías bajas y financiación insuficiente de programas sociales. Los gobiernos progresistas consiguieron dividir a los movimientos sociales entre opositores radicales «utópicos» y reformistas progresistas. En época de luchas sociales, los gobiernos progresistas aludían a una «alianza de izquierda y derecha» y acusaban a quienes les criticaban de actuar en nombre del imperialismo, ignorando que ellos mismos colaboraban con multinacionales con fundamento imperial. Los llamamientos presidenciales, un discurso populista nacionalista y el incremento de los ingresos con los que se financiaba el creciente gasto social debilitó a la oposición de izquierda. Los aumentos moderados pero sostenidos de los programas contra la pobreza y el salario mínimo neutralizaron los llamamientos de los dirigentes radicales de los movimientos sociales. A pesar de la ruptura de los gobiernos progresistas con sus «raíces igualitarias radicales», fueron sobradamente capaces de obtener apoyo electoral masivo basándose en el crecimiento dinámico general de la economía y el crecimiento sostenido de la renta. Ambos fueron apuntalados durante largos periodos por un precio elevado de las mercancías.
Los presidentes extractivistas populares ganaron elecciones una y otra vez por mayorías sustanciales y fueron capaces de movilizar a sectores de los movimientos sociales moderados para que contrarrestaran los movimientos sociales contrarios al extractivismo. El elevado precio de las mercancías y las múltiples oportunidades para la explotación de recursos atrajo a inversores extranjeros, a pesar del cada vez más elevado precio de las regalías. Los inversores extranjeros se sintieron atraídos por la estabilidad social que garantizaban los gobiernos progresistas, a diferencia de la inestabilidad de los gobiernos neoliberales anteriores. Los gobiernos progresistas han prosperado a base de lazos económicos con las multinacionales y de una alianza electoral con las clases bajas.
Estudio detallado del capitalismo extractivo y el bando progresista
Aunque los siete gobiernos del «bando progresista» comparten una estrategia común de desarrollo basada en la exportación de bienes primarios, hay diferencias significativas en el grado de diversificación de sus economías, en la naturaleza y características de los bienes que exportan, en la intensidad de la polarización y cohesión sociales y en la envergadura y el alcance de la oposición. En consonancia con estas diferencias, también hay diferencias sustanciales en el grado de sostenibilidad del «modelo progresista y extractivo», o en la medida en que pueden verse sometidos a contestación o regresión.
En el bando progresista se pueden realizar distinciones siguiendo muchos criterios: entre los gobiernos basados en dirigentes carismáticos y que tienen una dependencia extrema de la exportación de bienes primarios (Bolivia, Perú, Ecuador y Venezuela) y quienes cuentan con sectores industriales y una dirección política más «institucionalizada» (Brasil, Argentina y Uruguay). También hay diferencias significativas en el grado de conflictos de clase y étnicos: Perú, Bolivia y Ecuador atraviesan por una etapa de resistencia generalizada importante por parte de las comunidades indígenas relevantes, mientras que en Brasil, Argentina y Uruguay, donde la población indígena es escasa, solo hay oposición aislada. En términos de lucha de clases, Bolivia ha vivido una generalización de las protestas por asuntos relacionados con la sanidad, la educación, la minería y los obreros fabriles. Venezuela ha tenido que hacer frente a cierres patronales y boicots organizados por la élite económica («lucha de clases desde arriba»). Ecuador encontró protestas generalizadas por parte de la policía. Casi todos los demás países (Brasil, Argentina y Uruguay) padecieron huelgas limitadas, en buena medida, por cuestiones salariales. Con la excepción de Bolivia, las principales confederaciones sindicales trabajan estrechamente y colaboran con los gobiernos progresistas; en cambio, los movimientos campesinos y de trabajadores rurales de Brasil, Ecuador y Perú han conservado mayor grado de independencia y militancia, sobre todo porque han sido los más perjudicados por las estrategias de exportación agro-mineral. En Venezuela y Brasil, los ejércitos privados de los terratenientes han desempeñado un papel fundamental en la lucha relativamente impune contra los beneficiarios de la reforma agraria.
La degradación medioambiental y más persistente se ha producido en Brasil, donde durante la década de gobierno del Partido de los Trabajadores se han «desbrozado» millones de hectáreas de bosque tropical. La explotación agrícola mediante productos químicos es contundente en la mayor parte de los países, en especial en Brasil, Argentina y Uruguay, donde la soja se ha convertido en el cultivo de producción preponderante. Todos los principales exportadores agro-industriales (Brasil, Argentina y Uruguay) recurren a productos químicos tóxicos y semillas transgénicas que desencadenan infinidad de casos de perjuicios nocivos para los indígenas y sus hábitats naturales. La cuestión de la toxicidad y la degradación del medio ambiente derivada de las gigantescas empresas mineras y madereras está bien documentada en Perú, Ecuador y Uruguay. En general, cuanto más numerosa es la población urbana y cuanto más dispersas están las comunidades rurales afectadas negativamente, menor es la protesta ecológica y la probabilidad de que las ONG ecologistas desempeñen un papel importante en la protesta.
Como las industrias del sector extractivo están en las afueras de los principales núcleos urbanos; como la mayoría de las confederaciones sindicales colaboran con los gobiernos progresistas y consiguen incrementos salariales progresivos; y como la economía en general ha estado creciendo y el desempleo ha disminuido, los desequilibrios macroeconómicos, la dependencia de los bienes y las vulnerabilidades estructurales conexas no se han traducido en confrontaciones importantes entre capital y mano de obra. Los conflictos más discutidos que se han producido se han dado entre las élites neoliberales ortodoxas respaldadas por Estados Unidos y las potencias europeas y los gobiernos progresistas. Nos vienen a la memoria varios ejemplos.
El 12 de abril de 2001 y entre los meses de diciembre de 2002 y febrero de 2003, la clase capitalista venezolana apoyada por Estados Unidos y España organizó un golpe de estado fallido que fue contenido y un cierre patronal en el sector petrolero que fue derrotado. En el año 2011, un levantamiento encabezado por la policía de Ecuador y un golpe de estado abortado en Bolivia fueron desbaratados con éxito antes de que adquirieran empuje. En el año 2008, una protesta agraria empresarial a gran escala en Argentina paralizó el sector de exportaciones agrarias que se movilizaba contra una tasa impuesta a la exportación y acabó con concesiones del gobierno.
En buena medida, estas «luchas de clases desde arriba» operaron a favor de los gobiernos progresistas porque les permitió plantear la cuestión de forma unificada como si se tratara de una lucha entre un gobierno democrático popular y una oligarquía autoritaria y retrógrada. En consecuencia, los gobiernos progresistas consiguieron neutralizar, al menos temporaleente, las críticas internas procedentes de la izquierda. La derrota de «la derecha» pulió las credenciales del bando progresista y elevó su popularidad.
Aunque el apoyo popular era importante para el sostenimiento de los gobiernos progresistas frente a las campañas de desestabilización más derechistas respaldadas por Estados Unidos y la Unión Europea, tuvo igual o mayor importancia el respaldo del ejército, de algunos sectores de la élite empresarial y de los capitalistas del sector extractivo. Los progresistas, adoptando «políticas moderadas» (entre las que se encontraban los subsidios empresariales y una generosa subida de sueldos al ejército) consiguieron dividir a la élite, conservar el apoyo del ejército y aislar a la oposición de derechas. La derecha ha seguido siendo marginal desde el punto de vista electoral y ha supuesto un límite muy estrecho para la capacidad de injerencia e influencia de Estados Unidos y la Unión Europea sobre el programa progresista.
El grado de «progresismo» en el seno del bando capitalista extractivo progresista varía de manera muy importante.
El gobierno de Chavez ha presentado un programa antiimperialista y socialista que supone el rechazo de los golpes de estado, las guerras y el bloqueo de Estados independientes por parte de Estados Unidos: ha apoyado la re-renacionalización del petróleo, el aluminio y otras materias primas, la minería y las fuentes de energía. Su reforma agraria generalizada, que ha beneficiado a 300.000 familias, tiene por objetivo la autosuficiencia alimentaria. La salud pública y la educación superior universal y gratuita, el subsidio de los precios de alimentos básicos a través de supermercados de propiedad pública y la vivienda pública de bajo coste y a gran escala para los pobres, junto con las campañas de alfabetización y la formación de miles de consejos de barrio para arbitrar y resolver asuntos locales han profundizado y ampliado el proceso de socialización.
A menor escala, Bolivia, Ecuador y Argentina han desarrollado políticas exteriores independientes. Sus nacionalizaciones parciales y selectivas están pensadas para incrementar los ingresos, más que producirse en el marco de una estrategia de transformación a gran escala y largo plazo. No han seguido los pasos de Chavez sobre la reforma agraria y un mayor refuerzo del gasto social en salud, vivienda y educación superior. Presentan como «reforma de las tierras» la gestión de tierras lejanas, públicas y de dudosa calidad. Han sido defensores de los cambios progresivos en lo relacionado con los salarios y prestaciones sociales para hacerlos acordes con el aumento de los ingresos derivados de la exportación de bienes y en sintonía con la tasa de inflación; Bolivia y Ecuador han desalojado a ocupantes de tierras y defendido a los principales titulares de terrenos del sector agrario.
Los gobiernos menos «reformistas» y con las credenciales «progresistas» más dudosas son los de Brasil, Uruguay y Perú (bajo el gobierno de Humala), que han adoptado un programa de libre mercado; fomentan activamente la gran afluencia de inversiones extranjeras no reguladas, rebajan la categoría de millones de hectáreas de bosques tropicales (en especial, Brasil), promueven el sector agrario empresarial y se oponen a la reforma agraria en todas sus modalidades y han recurrido a la dispersión de campesinos y personas sin tierra a las ciudades grandes y pequeñas, donde ejercen de reserva de mano de obra para el capital o se suman al sector informal mal remunerado. Estos gobiernos progresistas «moderados» han firmado acuerdos militares con Estados Unidos y adoptan un perfil bajo de oposición a las medidas imperiales estadounidenses en Oriente Próximo. Su «progresismo» se ve en el apoyo que prestan a la integración regional, en su oposición a la hegemonía estadounidense en el continente (oponiéndose al golpe de estado de Estados Unidos en Honduras, al bloqueo de Cuba y a las injerencias en Venezuela) y en la diversificación de los mercados exteriores.
Brasil encabeza la marcha en la asistencia a los especuladores de Wall Street y en el gasto público contra la pobreza con unas cestas de alimentos básicas. La reducción de la pobreza queda igualada por el espectacular aumento del número de millonarios vinculados a los sectores financiero y de la exportación de productos agro-minerales. Los progresistas «moderados» tienen el historial más imponente (y bien documentado) de degradación medioambiental en curso. En Perú, Humala ha dado luz verde a una explotación minera que amenaza al medio de vida de millares de campesinos y empresarios locales de Cajamarca; los presidentes Lula da Silva y Dilma Rouseff, del Partido de los Trabajadores, han fomentado en una década la destrucción de millones de hectáreas de bosque tropical amazónico y el desplazamiento de montones de comunidades indígenas. En Uruguay, los presidentes Tabaré Vazquez y Mújica, del Frente Amplio, favorecieron que la fábrica de celulosa Botina, muy tóxica, contaminara el río Paraná a pesar de las protestas masivas.
En resumen, es difícil generalizar acerca de la actuación del bando progresista, dadas las divergencias de política social y económica. Pero se puede esbozar una especie de «tarjeta resumen».
Todos los gobiernos han reducido los niveles de pobreza e incrementado la dependencia con respecto a las exportaciones e inversiones del sector agro-mineral. Todas han firmado y/o renegociado contratos con multinacionales del sector extractivo; muy pocos han diversificado su economía. Los que cuentan con un tejido industrial relevante (Argentina, Brasil y Perú) han sufrido un declive importante en su sector manufacturero debido a la apreciación de las monedas y la pérdida de competitividad derivada de la subida de los precios de los bienes de exportación. Los acuerdos de aumento progresivo de salarios han desembocado en un menor nivel de conflicto social en las ciudades (con la excepción de Bolivia), pero el desplazamiento de campesinos y la degradación han intensificado conflictos en el interior entre las comunidades rurales y las multinacionales, lo que ha dado lugar a represión del Estado (Perú).
El impacto social de los gobiernos progresistas tiene un abanico de variaciones muy amplio, donde Venezuela registra los cambios estructurales de mayor alcance y el resto carece de visión o proyección a largo plazo para redistribuir la riqueza, las rentas o la tierra. Su apoyo común a la integración regional va aparejado de divergencias importantes en el acomodo a la política militar estadounidense. Venezuela, Ecuador y Bolivia, miembros del ALBA, rechazan los tratados militares, mientras que Brasil, Uruguay y Perú han firmado acuerdos militares con el Pentágono.
El rendimiento económico general es desigual. La economía de Brasil, en especial su sector manufacturero, se está estancando en un crecimiento cero o negativo en los años 2011 y 2012; Venezuela se está recuperando pero con una tasa de inflación del 20 por ciento, mientras que el resto del BP está experimentando un crecimiento sostenido pero una creciente dependencia de la exportación de bienes al mercado asiático (China).
Las alternativas a las economías extractivas vigentes varían enormemente. En Venezuela, el gobierno ha convertido la diversificación en una alta prioridad; los gobiernos brasileño y argentino están adoptando medidas proteccionistas para fomentar la industria con un éxito limitado, sobre todo porque sus políticas vienen contrarrestadas por la expansión real de la extensión de tierras dedicada a la producción de soja y bienes de exportación. Uruguay, Perú, Ecuador y Bolivia hablan de diversificación, pero han evitado tomar medidas para pasarse a la producción de alimentos y la agricultura familiar y todavía tienen que adoptar medidas concretas para estimular la industria local mediante una política de industrialización con financiación pública.


Artículo original: http://petras.lahaine.org/?p=1897 - Traducido para Rebelión por Ricardo García Pérez.

 La Haine
8/5/12